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Visão de Lacan a Respeito das Fases do Desenvolvimento Psicossexual Segundo Freud

Visão de Lacan a Respeito das Fases do Desenvolvimento Psicossexual Segundo Freud

1. Introdução: A visão sobre o Desenvolvimento Psicossexual de Freud sob a visão Lacaniana

A teoria psicanalítica de Sigmund Freud sobre as fases do desenvolvimento psicossexual foi um marco no entendimento da formação do sujeito. Para Freud, o desenvolvimento psíquico é intrinsecamente ligado à sexualidade, com a libido sendo a energia psíquica que direciona o comportamento e a experiência humana. Ele propôs cinco fases fundamentais: a fase oral, a fase anal, a fase fálica, o período de latência e a fase genital, cada uma marcada pela busca de prazer em diferentes zonas erógenas e pelo enfrentamento de conflitos psíquicos específicos.

No entanto, Jacques Lacan reformulou essa teoria a partir de uma perspectiva estruturalista, destacando a importância do simbólico, do imaginário e do real. Ao invés de focar nas zonas erógenas em si, Lacan enfatizou a constituição do sujeito a partir da relação com o significante, introduzindo novos conceitos como o “estádio do espelho”, o “falo simbólico”, e o papel central da linguagem na estruturação do desejo. Assim, as fases do desenvolvimento psicossexual na leitura lacaniana não se restringem ao biológico, mas são atravessadas por estruturas linguísticas e pela dialética do desejo e da falta.

2. Fase Oral e o Estádio do Espelho

A Importância da Fase Oral: Desejo, Satisfação e Dependência

Na teoria freudiana, a fase oral ocorre nos primeiros meses de vida e é caracterizada pela busca de prazer através da boca. O bebê encontra satisfação na amamentação, onde o ato de sugar não é apenas uma necessidade biológica, mas também uma experiência de prazer e de estabelecimento de uma relação de dependência com o Outro materno. Lacan amplia essa perspectiva, ao sugerir que, desde esse momento, o sujeito começa a se inserir na rede do desejo do Outro. A mãe, como o primeiro Outro, não é apenas a fonte de alimento, mas também o objeto de desejo do bebê, estabelecendo uma relação que transcende o plano biológico.

O Estádio do Espelho: A Constituição do Eu (moi)

Entre os seis e dezoito meses, segundo Lacan, ocorre o estádio do espelho, um momento crucial no qual o bebê se reconhece pela primeira vez em sua imagem refletida no espelho. Esse reconhecimento é ilusório, pois a imagem percebida é sempre uma totalidade idealizada, contrastando com a experiência corporal fragmentada e descoordenada do bebê. Aqui se inicia a alienação do sujeito em uma imagem externa, levando à constituição do “moi”, o eu imaginário. Esse eu é uma construção alienante, pois o sujeito passa a se identificar com a imagem do Outro, marcando o início de uma estrutura de dependência psíquica.

Relação Entre a Oralidade e a Formação do Sujeito na Alienação à Imagem do Outro

Na fase oral, o bebê está totalmente dependente do Outro para sua sobrevivência, seja no nível da alimentação ou da atenção. Lacan sugere que a oralidade não se restringe apenas ao prazer de ordem biológica, mas faz parte de um processo mais amplo de entrada no campo do Outro. A satisfação oral já é mediada pelo desejo da mãe, e o sujeito, desde cedo, se aliena ao desejo do Outro, o que antecipa a importância dessa dinâmica ao longo das próximas fases do desenvolvimento.

3. Fase Anal: A Emergência do Simbólico

A Relação com o Controle Esfincteriano e as Questões de Poder e Troca

A fase anal, segundo Freud, ocorre aproximadamente entre o segundo e o terceiro ano de vida, sendo marcada pelo controle dos esfíncteres e pela relação do sujeito com as questões de controle, retenção e expulsão. Lacan interpreta essa fase como um momento de grande importância simbólica, em que o sujeito começa a se deparar com o conceito de troca. A criança aprende a dar e reter, não apenas no sentido literal da evacuação, mas em um nível simbólico, compreendendo as relações de poder e reciprocidade que organizam o seu entorno.

A Entrada do Simbólico: A Função do Nome-do-Pai

Aqui, Lacan introduz a função do Nome-do-Pai, uma das suas contribuições mais notáveis para a teoria psicanalítica. A criança, na fase anal, está imersa em uma rede de interações com o Outro, especialmente em relação às figuras parentais. A função do Nome-do-Pai aparece nesse contexto como o agente que introduz a criança na ordem simbólica, impondo limites e mediações que organizam o desejo. O pai simbólico não é a figura biológica, mas o princípio da Lei que estabelece uma interdição sobre o desejo de fusão com o Outro (mãe), inserindo o sujeito em uma estrutura social e linguística.

O Papel da Dialética da Sujeição e Autonomia no Processo de Desenvolvimento

A dialética entre sujeição e autonomia que emerge na fase anal reflete um conflito central na constituição do sujeito. A criança, ao lidar com as exigências dos pais sobre o controle esfincteriano, se vê desafiada a equilibrar sua vontade própria com as expectativas do Outro. Esse processo contribui para o desenvolvimento de uma consciência de si como separado do Outro, ao mesmo tempo em que é submetido à sua autoridade. Para Lacan, esse é um momento crucial na entrada do sujeito no simbólico, onde a Lei, representada pelo Nome-do-Pai, começa a moldar o desejo e a subjetividade.

4. Fase Fálica: O Registro do Imaginário e a Lógica do Falo

A Centralidade do Falo como Significante da Falta

Na fase fálica, que Freud descreve como o período em que a criança se torna consciente das diferenças sexuais, Lacan oferece uma releitura que coloca o falo como o significante central dessa etapa. O falo, para Lacan, não é um órgão biológico, mas um significante da falta, algo que o sujeito percebe como ausente e ao mesmo tempo desejado. A criança, ao descobrir as diferenças sexuais, enfrenta a questão da castração, que Lacan define como a percepção de que o desejo nunca pode ser plenamente satisfeito.

A Identificação Fálica: Como o Sujeito Lida com a Castração Simbólica

A identificação fálica é um processo pelo qual o sujeito tenta se posicionar em relação ao falo, seja como portador (no caso dos meninos) ou como desejante (no caso das meninas). A castração simbólica, nesse sentido, refere-se à introdução do sujeito na lógica da falta, onde o falo opera como um mediador entre o desejo e a Lei. Esse processo é essencial para a constituição do sujeito no plano do imaginário e simbólico, uma vez que é através da castração que o sujeito aprende a lidar com a falta e com os limites impostos pela ordem simbólica.

A Importância do Outro e a Rivalidade Simbólica

O Outro, que em Lacan assume um papel estruturante na psique, aparece de forma central na fase fálica. A criança começa a entender que o desejo do Outro (os pais, por exemplo) é direcionado ao falo, e a rivalidade simbólica surge como uma maneira de se posicionar em relação a esse desejo. Essa rivalidade não é apenas uma disputa pelo amor ou atenção dos pais, mas uma luta pela inserção no campo simbólico, onde o sujeito busca ocupar um lugar de reconhecimento e desejo.

5. Período de Latência: Repressão e Sublimação

A Repressão como Mecanismo Psíquico Predominante

O período de latência, que ocorre entre a fase fálica e a puberdade, é marcado pela repressão dos impulsos sexuais. Para Freud, a energia libidinal é redirecionada para atividades não sexuais, como o aprendizado e as relações sociais. Lacan segue essa linha, mas sublinha a importância da repressão como um mecanismo de defesa que permite ao sujeito lidar com a impossibilidade de satisfação plena do desejo. Nesse momento, o desejo é reprimido no inconsciente, mas continua a operar como uma força latente que influencia o comportamento e as escolhas do sujeito.

A Sublimação e a Transformação do Desejo em Atividades Culturais e Sociais

A sublimação, na leitura lacaniana, é o processo pelo qual o desejo sexual é transformado em atividades socialmente aceitáveis, como o aprendizado, a arte e a criação. O desejo, que não pode ser plenamente satisfeito no plano sexual, encontra uma forma de expressão através de atividades culturais e sociais. Esse mecanismo é essencial para o desenvolvimento psíquico saudável, permitindo ao sujeito investir sua energia libidinal em atividades criativas e produtivas.

A Manutenção do Desejo Inconsciente Durante o Período de Latência

Apesar da repressão, o desejo inconsciente permanece ativo durante o período de latência, moldando a forma como o sujeito se relaciona com o mundo. Lacan ressalta que o desejo nunca é completamente suprimido, mas apenas desviado ou transformado. A criança, mesmo não consciente de seus impulsos sexuais, continua a ser influenciada pelo desejo que, embora reprimido, persiste como uma força que estrutura sua subjetividade e suas interações com o Outro.

6. A Puberdade e a Reorganização do Desejo

O Retorno da Pulsão Sexual e a Busca de um Novo Objeto de Desejo

Com a puberdade, a pulsão sexual retorna com força, e o sujeito é confrontado com a tarefa de reorganizar seu desejo. Lacan vê essa fase como um momento crítico, onde o sujeito deve lidar novamente com a questão da castração e da falta. O desejo, que havia sido reprimido durante o período de latência, retorna com a força da pulsão sexual, e o sujeito busca novos objetos de desejo que substituam aqueles perdidos na infância.

A Relação com o Grande Outro e a Reestruturação do Sujeito Diante da Sexualidade Adulta

O sujeito, ao entrar na sexualidade adulta, deve se reestruturar em relação ao grande Outro, que representa a ordem simbólica e a Lei. A puberdade marca um momento de renegociação da relação com o Outro, onde o sujeito deve encontrar seu lugar na estrutura social e lidar com os imperativos da Lei e da castração. O falo, como significante da falta, continua a desempenhar um papel central na organização do desejo, mas agora em um contexto mais complexo de relações interpessoais e sociais.

O Papel do Falo e da Castração Simbólica na Formação do Desejo Sexual Maduro

A castração simbólica, que foi introduzida na fase fálica, continua a operar na puberdade, mas agora em um nível mais sofisticado. O sujeito, ao confrontar sua sexualidade adulta, deve lidar com a impossibilidade de satisfação plena e com a estrutura da falta que organiza o desejo. O falo, como significante da falta, mantém sua centralidade na formação do desejo sexual maduro, estruturando as relações do sujeito com o Outro e com seu próprio desejo.

7. A Especificidade Lacaniana: Do Desejo à Demanda

A Distinção Entre Desejo e Demanda na Teoria Lacaniana

Uma das contribuições mais importantes de Lacan para a teoria do desenvolvimento psicossexual é a distinção entre desejo e demanda. Enquanto a demanda é aquilo que o sujeito pede explicitamente ao Outro (como atenção, amor ou cuidado), o desejo é aquilo que permanece insatisfeito, aquilo que vai além da demanda. O desejo, para Lacan, é sempre marcado pela falta, e nunca pode ser plenamente satisfeito. Isso é fundamental na compreensão do desenvolvimento psicossexual, pois o sujeito está sempre em busca de algo que o complete, algo que ele nunca pode alcançar plenamente.

O Que Lacan Acrescenta à Compreensão do Desenvolvimento Psicossexual?

Lacan acrescenta uma dimensão simbólica e linguística à teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual. Ele enfatiza que o sujeito é constituído no campo do Outro, que o desejo é sempre estruturado pela falta, e que a linguagem desempenha um papel central na formação do inconsciente e na organização do desejo. Ao contrário de Freud, que via o desenvolvimento psicossexual como um processo principalmente biológico, Lacan destaca que o sujeito é inserido em uma rede de significantes desde o nascimento, e que a sexualidade é uma construção simbólica.

A Questão da Falta e a Impossibilidade de Satisfação Plena no Percurso do Desejo

Para Lacan, o desejo é sempre uma busca pela falta. O sujeito nunca pode alcançar a plena satisfação, pois o objeto de seu desejo é sempre perdido, inacessível. Isso é o que Lacan chama de “objeto a”, o objeto impossível que organiza o desejo do sujeito. Essa estrutura de falta é fundamental na teoria lacaniana do desenvolvimento psicossexual, pois é a partir dessa falta que o sujeito se constitui e se orienta em suas relações com o Outro.

8. Conclusão: As Fases Psicossexuais de Freud na visão de Lacan

A compreensão das fases do desenvolvimento psicossexual, segundo Lacan, oferece uma nova perspectiva para a prática clínica. Ao entender como o sujeito se constitui através de sua relação com o significante, o analista pode abordar as questões do desejo, da castração e da falta no setting analítico de forma mais complexa. Lacan sublinha que o sujeito é sempre marcado pela linguagem e pelo simbólico, e que a análise deve focar na interpretação dos significantes que estruturam o inconsciente.

A estruturação do sujeito através das fases do desenvolvimento psicossexual é, portanto, um processo dinâmico e contínuo, onde o desejo nunca é plenamente satisfeito e onde o sujeito está sempre em busca do “objeto a”. A clínica lacaniana, ao focar nessa estrutura de falta e desejo, oferece uma abordagem profunda para lidar com os impasses que surgem na vida psíquica, permitindo que o sujeito se reconcilie com sua própria falta e com os limites impostos pela Lei e pela castração.

Seminários de Jacques Lacan que abordam temas relacionados às fases do desenvolvimento psicossexual freudiano sob sua perspectiva:

1. Seminário I: Os Escritos Técnicos de Freud (1953-1954)

– Neste seminário, Lacan revisita aspectos fundamentais da teoria freudiana, incluindo a dinâmica das fases do desenvolvimento psicossexual, e os reformula dentro de sua própria teoria sobre o simbólico e o imaginário.

2. Seminário II: O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise (1954-1955)

– Lacan explora o conceito de “Estádio do Espelho”, relevante para a fase oral e a formação do “eu” a partir do reconhecimento no outro. Esse seminário elabora como o imaginário e o simbólico intervêm no desenvolvimento do sujeito.

3. Seminário IV: A Relação de Objeto (1956-1957)

– Este seminário é crucial para entender a reformulação lacaniana das fases freudianas, abordando como o sujeito se constitui na relação com o “Outro”, o que inclui a articulação da fase anal com a entrada no simbólico e o conceito de Nome-do-Pai.

4. Seminário V: As Formações do Inconsciente (1957-1958)

– Lacan aprofunda as dinâmicas do desejo e da demanda, introduzindo a ideia de que o falo, na fase fálica, é um significante central na estruturação do desejo, e a castração como um ponto crucial na organização simbólica do sujeito.

5. Seminário X: A Angústia (1962-1963)

– Aqui, Lacan explora a questão da castração e o papel do “objeto a” no desenvolvimento do sujeito, relacionando isso com a fase fálica e o processo de estruturação psíquica que atravessa as fases psicossexuais.

6. Seminário XI: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964)

– Neste seminário, Lacan discute a função da linguagem e do simbólico no desenvolvimento psíquico, o que se conecta diretamente com a estruturação do desejo e as fases do desenvolvimento psicossexual, especialmente no que tange ao conceito de falta e castração.

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