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O Sujeito Barrado ($): Sob a Perspectiva de Lacan

O Sujeito Barrado ($): Sob a Perspectiva de Lacan

1. Introdução ao Tema

A teoria psicanalítica de Jacques Lacan é uma das mais complexas e influentes para a psicanálise contemporânea, trazendo inovações que reverberam até os dias de hoje. Um dos conceitos centrais no pensamento lacaniano é o do “Sujeito Barrado”, representado pelo símbolo “$”, que reformula a compreensão do sujeito no campo da psicanálise. Este conceito desafia a noção clássica de um sujeito consciente e autônomo, introduzindo a ideia de um sujeito dividido, fragmentado e em constante busca por sua completude, que nunca é alcançada.

O “Sujeito Barrado” oferece uma nova forma de compreender a subjetividade e o desejo humano, essencial para o trabalho clínico psicanalítico. Antes de nos aprofundarmos neste conceito, é importante traçar uma linha de continuidade e ruptura entre a visão freudiana clássica do sujeito e a perspectiva lacaniana.

Na psicanálise freudiana, o sujeito é aquele que se forma a partir da dinâmica entre o consciente e o inconsciente. Freud delineou um sujeito composto por três instâncias psíquicas: o Id, o Ego e o Superego, que se relacionam entre si numa dança complexa de pulsões e repressões. Para Freud, o sujeito é atravessado por forças inconscientes que influenciam suas ações, desejos e formações sintomáticas.

Lacan, por sua vez, traz uma transformação ao enfatizar o papel da linguagem e das estruturas simbólicas na constituição do sujeito. Ele propõe que o sujeito não é simplesmente governado pelas dinâmicas de conflito entre as instâncias psíquicas, mas que sua própria constituição depende de sua entrada na ordem simbólica — o mundo da linguagem e das leis. Assim, Lacan sugere que o sujeito é, por meio da aquisição da linguagem, um sujeito barrado, um sujeito dividido, marcado pela falta.

2. Definindo o “Sujeito Barrado”

O “Sujeito Barrado” é uma noção essencial na obra de Lacan, e para compreendê-la, é necessário mergulhar no campo do simbólico, onde o sujeito se constitui. O símbolo “$” refere-se ao sujeito dividido, ou seja, aquele que não é uno, mas barrado pela própria estrutura da linguagem e pelas imposições da Lei do Pai.

Para Lacan, a entrada do sujeito no simbólico é marcada pela interdição do desejo incestuoso pela figura paterna, conhecida como a “Lei do Pai”. Este processo é fundamental para a constituição do sujeito, pois é a partir da proibição que ele se insere na ordem simbólica, regida pelas normas e pela linguagem. O sujeito que emerge desse processo não é completo, mas marcado por uma falta estrutural, simbolizada pela barragem ($). Essa falta é constitutiva e impossível de ser preenchida plenamente, fazendo com que o sujeito se mova em direção ao desejo.

A linguagem desempenha um papel crucial na constituição do sujeito barrado. O sujeito se identifica com os significantes — os elementos simbólicos da linguagem —, mas sempre há algo que escapa a essa representação. Lacan descreve esse processo como uma alienação fundamental: o sujeito só pode se reconhecer e existir por meio da linguagem, mas essa mesma linguagem o coloca em uma posição de divisão, onde ele nunca pode se representar totalmente.

Diferente do sujeito imaginário, que se entende como pleno e autossuficiente, o sujeito barrado é aquele que reconhece sua incompletude. No imaginário, o sujeito se percebe como uma unidade através do estádio do espelho, onde ocorre a identificação narcísica com a imagem de si mesmo. Contudo, essa imagem é ilusória, pois não representa a verdadeira natureza do sujeito, que está fragmentado e dividido no simbólico.

No simbólico, o sujeito se constitui a partir de uma falta. Ele se define não por aquilo que possui, mas pelo que lhe falta, o que se traduz em sua estrutura de desejo. Essa divisão é a chave para entender o sujeito lacaniano: ele é barrado porque está sempre em busca de algo que nunca poderá obter plenamente — o objeto perdido, o objeto a, que analisaremos mais adiante.

3. O Significado do “$” (A Barré)

O símbolo “$”, utilizado por Lacan, é uma representação gráfica e conceitual do sujeito barrado, dividido entre o desejo consciente e as forças inconscientes que o movem. Lacan utiliza essa simbologia para expressar a cisão fundamental do sujeito na sua constituição psíquica. Esta divisão se dá, essencialmente, pelo próprio processo de entrada do sujeito no simbólico, onde ele deve se submeter à ordem da linguagem e às regras sociais que o estruturam.

O “$” é o símbolo que indica essa impossibilidade de totalização do sujeito. Ao contrário de uma visão cartesiana, onde “eu penso, logo existo” sugere uma unidade do pensamento, Lacan nos coloca em uma posição radicalmente diferente: o sujeito só pode emergir enquanto barrado, enquanto sujeito de uma falta, sempre em uma busca que o conduz ao desejo. Essa barragem, ou barré, acontece porque o sujeito é alienado pela linguagem, que o limita a uma expressão simbólica que nunca pode apreender o real em sua totalidade.

Aqui, entra a divisão entre o desejo consciente e o inconsciente. O sujeito barrado é aquele que vive em um estado de cisão entre o que ele pensa desejar e o que o seu inconsciente de fato deseja. O inconsciente, na perspectiva lacaniana, não é um reservatório de conteúdos reprimidos, como em Freud, mas uma estrutura linguística que fala por meio dos significantes. O sujeito é, portanto, um efeito da linguagem, e a barragem simboliza essa divisão entre o que ele pode dizer de si mesmo e o que permanece fora de seu alcance consciente.

Outro aspecto fundamental desse processo é a relação entre o sujeito e o Outro. Para Lacan, o Outro com “O” maiúsculo representa o lugar da linguagem, das leis e do desejo. O sujeito barrado está, portanto, alienado em relação ao Outro, pois é por meio dele que se constitui, mas também é por meio dele que se vê privado de uma completude psíquica. Essa alienação se manifesta na incapacidade do sujeito de acessar plenamente seus desejos mais profundos e de se apropriar completamente de seu ser.

A barragem, então, pode ser entendida como um limite imposto ao sujeito pela própria estrutura da linguagem e pelo campo simbólico, que o impede de alcançar uma unidade plena. Isso gera o que Lacan chama de alienação e separação. Alienação é a identificação do sujeito com os significantes do Outro, e a separação é o momento em que ele reconhece sua falta, sua incompletude. Esse movimento dialético entre alienação e separação é central na formação do sujeito barrado.

4. A Relação Entre Desejo, Falta e o Sujeito Barrado

O conceito de “falta” é intrínseco ao sujeito barrado. Para Lacan, o desejo sempre se refere a algo que falta. O sujeito está em uma busca incessante por aquilo que o completaria, mas essa busca é perpetuamente frustrada, pois a falta é estrutural e irremediável. Isso nos leva à questão do desejo e do objeto a, que é o objeto causa do desejo, o que impulsiona o sujeito a continuar sua busca, embora ele nunca possa ser plenamente satisfeito.

O desejo, na psicanálise lacaniana, não é algo que possa ser realizado em termos concretos. Ele é um movimento contínuo, uma tentativa de preencher a falta constitutiva do sujeito. O objeto a, então, é o que motiva o sujeito barrado, mas é também o que lhe escapa, o que nunca pode ser capturado por completo. Lacan utiliza o conceito de metonímia do desejo para ilustrar esse movimento incessante: o desejo desloca-se de um objeto para outro, sempre tentando, mas nunca conseguindo preencher a falta.

A constituição do desejo está, portanto, diretamente ligada à estrutura do sujeito barrado. O sujeito é aquele que deseja porque lhe falta algo. Contudo, a barragem impede que o sujeito tenha acesso direto ao objeto de seu desejo. Ele vive em um estado de perpétua insatisfação, onde o desejo é o motor de sua existência, mas onde também ele se vê confrontado com a impossibilidade de alcançar o que deseja plenamente.

Essa dinâmica entre desejo e falta é crucial para o entendimento do sujeito na clínica psicanalítica. O sujeito barrado não pode se ver como completo, e a função do analista é ajudar o sujeito a confrontar essa realidade de sua constituição dividida. Não se trata de curar o sujeito de sua falta, mas de levá-lo a reconhecer e trabalhar com essa condição de incompletude, aceitando que o desejo é sempre desejo de algo ausente.

5. Exemplos Práticos na Clínica

Na prática clínica, o conceito de “Sujeito Barrado” pode ser observado em diversas manifestações. Um exemplo claro são as resistências que surgem nas sessões de análise, quando o paciente tenta evitar o confronto com sua própria falta. O sujeito barrado frequentemente tenta se proteger do reconhecimento de que seu desejo nunca será plenamente satisfeito, gerando defesas que impedem o progresso terapêutico.

Em um estudo de caso anônimo, podemos observar um paciente que, ao longo das sessões, mostrava uma angústia profunda em relação aos seus relacionamentos amorosos. Ele se queixava constantemente de nunca encontrar uma parceira que o completasse, e essa busca incessante gerava uma frustração contínua. Durante a análise, ficou claro que o paciente estava preso na tentativa de preencher uma falta que não poderia ser preenchida por outra pessoa. Sua angústia era um reflexo direto da estrutura do sujeito barrado: ele estava em busca de algo que sempre lhe escaparia.

O papel do analista, nesse caso, foi ajudá-lo a reconhecer que a falta é parte constitutiva de sua subjetividade e que nenhum objeto externo poderia preencher esse vazio. Esse reconhecimento permitiu ao paciente lidar melhor com suas expectativas em relação aos outros e, ao mesmo tempo, aceitar a incompletude como uma parte inevitável de sua experiência.

Na escuta clínica, o analista deve estar atento às divisões e inconsistências no discurso do paciente, que revelam sua posição de sujeito barrado. É comum que os pacientes apresentem uma narrativa de si mesmos que busca mascarar ou evitar a falta, tentando construir uma imagem coerente e unificada. No entanto, o trabalho analítico envolve justamente desconstruir essa imagem, levando o sujeito a confrontar a divisão que marca sua subjetividade.

A resistência ao reconhecimento dessa falta pode se manifestar de várias formas: desde a recusa em falar sobre certos temas até a repetição de padrões comportamentais que tentam evitar o confronto com o desejo. Em última instância, o processo analítico visa desvelar o sujeito barrado, ajudando-o a viver com a incompletude e a fazer as pazes com seu desejo.

Conclusão

O conceito de “Sujeito Barrado” ($) é um dos pilares da teoria lacaniana, fornecendo uma perspectiva revolucionária sobre a constituição do sujeito, a divisão entre o consciente e o inconsciente, e o papel da linguagem e do desejo na vida psíquica. No campo clínico, entender o sujeito barrado é fundamental para a escuta analítica, pois permite ao analista abordar as resistências e as defesas dos pacientes de maneira mais profunda.

A barragem não é algo que deve ser “curado” ou “removido”, mas, ao contrário, é o que define a própria condição do sujeito. O reconhecimento de que somos sujeitos barrados nos leva a uma compreensão mais autêntica de nossa relação com o desejo e a falta, proporcionando um caminho para uma existência mais consciente de nossas limitações e potencialidades.

Dessa forma, o “Sujeito Barrado” permanece como uma contribuição essencial de Lacan para a psicanálise, oferecendo ferramentas teóricas e práticas para compreender a complexidade da subjetividade humana.

Seminários de Lacan que tratam sobre o conceito de “Sujeito Barrado” ($):

1. Seminário 3 – As Psicoses (1955-1956):

Nesse seminário, Lacan discute o papel da linguagem e da ordem simbólica na constituição do sujeito, introduzindo a ideia do “Sujeito Barrado” em relação à estrutura psíquica.

2. Seminário 5 – As Formações do Inconsciente (1957-1958):

A questão do sujeito dividido emerge aqui na discussão sobre os significantes e o papel do inconsciente na constituição do sujeito.

3. Seminário 6 – O Desejo e Sua Interpretação (1958-1959):

O conceito de sujeito barrado é abordado na relação com o desejo, discutindo como o sujeito se define pela falta e como o desejo surge dessa incompletude.

4. Seminário 10 – A Angústia (1962-1963):

A angústia é discutida como uma reação à presença do objeto “a”, e o “Sujeito Barrado” aparece em conexão com o desejo e a falta, especialmente no que concerne à busca por completude.

5. Seminário 11 – Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964):

Nesse seminário, Lacan apresenta a barragem do sujeito em relação ao Outro e introduz uma série de conceitos importantes como o objeto “a”, o desejo, e a alienação.

6. Seminário 14 – A Lógica da Fantasia (1966-1967):

A lógica do sujeito barrado aparece em articulação com a fantasia e o papel do objeto “a” como o que estrutura o desejo do sujeito.

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