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Pulsão segundo Lacan: A Força Interna que Direciona o Comportamento do Sujeito

Pulsão segundo Lacan: A Força Interna que Direciona o Comportamento do Sujeito

A teoria psicanalítica desenvolvida por Jacques Lacan atravessa campos complexos da experiência humana, buscando dar conta do que move o sujeito, não apenas no sentido consciente, mas sobretudo naquilo que se encontra nas profundezas do inconsciente. Entre os diversos conceitos fundamentais que Lacan revisita e reformula a partir da obra de Sigmund Freud, a noção de pulsão adquire um papel central. A pulsão, mais do que uma simples expressão do instinto biológico, torna-se, na leitura lacaniana, um conceito que se articula entre a linguagem, o desejo e o gozo.

Neste texto, exploraremos em profundidade o conceito de pulsão segundo Lacan, compreendendo como essa força interna direciona o comportamento do sujeito e o estrutura enquanto ser desejante e falante. Para tanto, abordaremos a evolução do conceito a partir de Freud, sua diferenciação de termos como necessidade e desejo, bem como a relação da pulsão com o corpo, o objeto a e o gozo. Em cada seção, traremos uma discussão que não só esclarece a teoria, mas também permite pensar a aplicação desse conceito na clínica psicanalítica.

1. Introdução ao Conceito de Pulsão

Para compreendermos a pulsão na obra de Lacan, é necessário retornar à origem freudiana do termo. Em Freud, a pulsão (Trieb) surge como uma força que opera na interseção entre o corpo e o psiquismo. É uma espécie de demanda interna, que tem como objetivo o retorno a um estado anterior de equilíbrio, o que Freud descreve como a “satisfação pulsional”. A pulsão freudiana possui uma característica dual: de um lado, existem as pulsões de vida (Eros), que estão voltadas para a conservação da vida e para a união; de outro, as pulsões de morte (Thanatos), que têm um impulso destrutivo e regressivo.

Lacan, no entanto, subverte essa noção, retirando a pulsão de sua raiz biológica e colocando-a em uma estrutura simbólica. Para ele, a pulsão está profundamente enredada na linguagem e no desejo, sendo uma força que se manifesta através do significante. A pulsão não busca uma satisfação total, como poderia sugerir a leitura freudiana, mas se perpetua na repetição de sua própria falta, sempre em busca do “objeto perdido” que nunca é plenamente alcançado. Nesse sentido, a pulsão para Lacan não é instintual, mas é aquilo que resta como um resíduo da entrada do sujeito no campo da linguagem.

Na constituição do sujeito psicanalítico, a pulsão ocupa um lugar fundamental. Ela é o que mantém o sujeito em constante movimento, uma energia que circula e que nunca atinge seu destino final, pois o que está em jogo é sempre a falta, o vazio, que é inerente ao próprio desejo. Esse caráter inassimilável da pulsão é o que a torna uma força de subversão, tanto para o sujeito quanto para a própria lógica do simbólico.

2. A Diferença entre Necessidade, Desejo e Pulsão

Para avançarmos na compreensão lacaniana da pulsão, é importante distingui-la de dois conceitos próximos: a necessidade e o desejo.

A necessidade pode ser compreendida como uma demanda do corpo biológico. É aquilo que diz respeito à manutenção da vida, como a fome, a sede, o sono. A necessidade é algo que pode ser saciado, e sua satisfação conduz a um estado de equilíbrio. Contudo, quando essa necessidade passa pelo crivo da linguagem e da estrutura simbólica, ela não se mantém como uma demanda puramente biológica, mas se transforma em algo que é mediatizado pelo Outro.

O desejo, por sua vez, é sempre algo que transcende a satisfação imediata da necessidade. O desejo, segundo Lacan, é aquilo que resta depois que a necessidade foi articulada na linguagem. O sujeito nunca deseja diretamente o objeto que pode suprir sua carência biológica; o desejo é, essencialmente, o desejo do Outro. Ele se constitui no campo do simbólico e está sempre deslocado, pois seu objeto último é inalcançável.

A pulsão, diferentemente, opera em um registro distinto. Ela não visa diretamente a satisfação de uma necessidade, mas está sempre articulada a um circuito que se repete. A pulsão, para Lacan, insiste. Ela não se resolve, porque sua lógica é a da repetição. Seu alvo não é o objeto que poderia saciar uma carência, mas o contorno desse objeto, o movimento de aproximação e afastamento, o qual nunca se conclui.

Enquanto a necessidade se satisfaz, o desejo é aquilo que está além dessa satisfação, sempre escapando. A pulsão, por outro lado, opera em uma espécie de circuito, um retorno contínuo ao mesmo ponto, mas que nunca encontra uma conclusão. Esse movimento circular da pulsão é um dos pontos centrais da teoria lacaniana, que será discutido mais detalhadamente na seção seguinte.

3. Pulsão como “Força Interna”

A pulsão, para Lacan, é essencialmente uma força interna que nunca encontra uma satisfação total. Ela insiste em seu movimento repetitivo, sempre retornando ao mesmo ponto, mas sem nunca atingir o que procura. Essa noção de uma “força interna” pode ser entendida a partir do conceito de “não-todo” da pulsão.

Lacan utiliza o termo “não-todo” para designar a lógica da pulsão, que nunca consegue abarcar completamente o objeto de seu desejo. O sujeito está sempre em busca de algo que lhe escapa, e essa busca incessante é o que define o caráter da pulsão. Ao contrário da ideia de uma satisfação plena, que encerraria o movimento pulsional, Lacan afirma que a pulsão é movida justamente pela impossibilidade de satisfação completa. A pulsão circula ao redor de um vazio, de uma falta estrutural que nunca pode ser preenchida.

Esse vazio está diretamente relacionado ao conceito de Real, uma das três ordens que estruturam o pensamento de Lacan, ao lado do Simbólico e do Imaginário. O Real é aquilo que escapa à simbolização, o que não pode ser representado pela linguagem. A pulsão, nesse sentido, tem uma relação íntima com o Real, pois ela aponta para algo que não pode ser nomeado ou simbolizado, mas que insiste e se manifesta no corpo e no comportamento do sujeito.

Dessa maneira, a pulsão para Lacan não é uma busca por satisfação, mas uma busca interminável, marcada pela repetição e pela impossibilidade de atingir o objeto perdido. Essa força interna, que circula continuamente, é o que direciona o comportamento do sujeito, tanto no campo do desejo quanto na sua relação com o Outro e com o mundo simbólico.

4. Os Quatro Circuitos da Pulsão

Lacan define quatro tipos de pulsão, ou melhor, quatro “circuitos” pelos quais a pulsão circula: a pulsão oral, a pulsão anal, a pulsão escópica e a pulsão invocante. Esses circuitos representam diferentes formas pelas quais a pulsão se manifesta no sujeito e no corpo.

1. Pulsão oral: Relacionada à boca e ao ato de comer, a pulsão oral tem como circuito a incorporação do objeto. No bebê, isso se manifesta no ato de sugar o seio materno, mas na vida adulta essa pulsão permanece em outras formas de relação com o objeto. A pulsão oral não busca apenas o objeto da alimentação, mas o prazer derivado do ato de incorporação, que é simbólico tanto quanto físico.

2. Pulsão anal: Relacionada ao controle e à expulsão, a pulsão anal tem uma dimensão de poder e domínio sobre o objeto. No estágio anal, a criança experimenta o prazer de reter ou liberar as fezes, e essa pulsão continua a operar ao longo da vida nas relações de troca, controle e entrega.

3. Pulsão escópica: Relacionada ao olhar, a pulsão escópica diz respeito ao prazer de ver e de ser visto. Lacan explora esse circuito em profundidade ao discutir o papel do olhar na constituição do sujeito e na relação com o Outro. O sujeito é tanto aquele que olha quanto aquele que é olhado, e a pulsão escópica circula entre esses dois polos.

4. Pulsão invocante: Relacionada à voz e ao ouvir, a pulsão invocante é talvez a mais sutil das pulsões. Ela se manifesta no campo da linguagem e do som, e o seu circuito se organiza em torno do que é dito e escutado, ou seja, na relação do sujeito com a voz e com a palavra do Outro.

Cada uma dessas pulsões tem um circuito próprio, mas todas compartilham a característica fundamental da repetição. O sujeito circula ao redor desses circuitos, buscando algo que nunca é plenamente encontrado, repetindo os mesmos movimentos na tentativa de capturar o objeto perdido.

Na prática clínica, esses quatro circuitos podem ser observados nas manifestações do sintoma, nos comportamentos repetitivos e nas fantasias que organizam a vida psíquica do sujeito. O analista, ao trabalhar com a pulsão do analisando, deve estar atento a esses circuitos e às formas como eles se repetem na fala e nos atos do sujeito.

5. A Pulsão e o Corpo

A pulsão tem uma relação direta com o corpo, mas não se trata de um corpo puramente biológico. Para Lacan, o corpo é, antes de tudo, um corpo simbólico, marcado pela linguagem e pelo desejo do Outro. A pulsão, portanto, não é simplesmente uma força que opera no nível do organismo, mas é uma força que atravessa o corpo enquanto objeto do desejo e da linguagem.

Lacan fala de um corpo fragmentado, que é a forma como o corpo é experimentado antes de ser integrado na imagem unificada do estádio do espelho. Esse corpo fragmentado é o lugar de operação da pulsão. A pulsão circula pelos fragmentos do corpo, pelos orifícios, pelas zonas erógenas, sempre em busca de um objeto que nunca é plenamente encontrado. A satisfação pulsional, portanto, não se dá no nível da unidade do corpo, mas nas suas partes fragmentadas, nas suas bordas e orifícios.

O corpo, na perspectiva lacaniana, é também o lugar do gozo, um conceito que ultrapassa o princípio de prazer freudiano. O gozo é aquilo que excede o prazer, aquilo que não pode ser simbolizado e que se manifesta no corpo como um excesso, como uma força que ultrapassa os limites da linguagem. A pulsão é uma das formas pelas quais o gozo se inscreve no corpo, especialmente naquilo que escapa à fala e à representação.

6. A Pulsão de Morte: Além do Princípio de Prazer

Freud introduziu o conceito de pulsão de morte para dar conta de um fenômeno que ele não conseguia explicar inteiramente com base no princípio de prazer. A pulsão de morte é aquela força que leva o sujeito a repetir comportamentos destrutivos, que o conduz a uma compulsão à repetição que parece desafiar a lógica da busca pelo prazer.

Lacan retoma esse conceito e o radicaliza, associando a pulsão de morte ao Real e ao gozo. A pulsão de morte, para Lacan, não é simplesmente uma força destrutiva, mas é uma forma de gozo que se encontra além do prazer. É uma repetição que insiste, mesmo que não traga prazer ou satisfação, porque o que está em jogo não é a busca de um equilíbrio ou de uma homeostase, mas a própria lógica do gozo, que sempre ultrapassa os limites do prazer.

Na clínica, a pulsão de morte pode ser observada em comportamentos autodestrutivos, em padrões repetitivos de sofrimento e na compulsão à repetição que domina o sujeito. O analista, ao trabalhar com essas manifestações, deve estar atento à forma como a pulsão de morte se articula ao desejo e ao gozo do sujeito, e como ela opera em relação ao campo simbólico.

7. A Pulsão e o Objeto a

Um dos conceitos centrais da teoria lacaniana é o objeto a, que é o objeto causa do desejo. O objeto a não é um objeto real, no sentido de algo que pode ser possuído ou alcançado, mas é um objeto fantasmático, que está sempre ausente. É a falta que estrutura o desejo do sujeito e que mantém a pulsão em movimento.

A pulsão, segundo Lacan, está sempre articulada ao objeto a. Ela circula ao redor desse objeto, mas nunca o encontra. O objeto a é o que Lacan chama de “resto” ou “resíduo” da entrada do sujeito na linguagem, aquilo que nunca pode ser simbolizado ou nomeado, mas que persiste como causa do desejo.

Na clínica, a relação entre a pulsão e o objeto a pode ser observada nas fantasias do sujeito, nas suas repetições e nos seus sintomas. O analista deve estar atento à forma como o sujeito organiza sua relação com o objeto a e como essa relação se manifesta nas suas pulsões e no seu desejo.

8. A Subversão da Pulsão na Clínica Psicanalítica

A pulsão, para Lacan, é um elemento subversivo, tanto na teoria quanto na prática clínica. Ela subverte a lógica do simbólico, pois aponta para algo que escapa à linguagem, algo que insiste no Real. Na clínica, a pulsão pode se manifestar de diversas formas, seja nos sintomas, seja na repetição de comportamentos ou fantasias que parecem desafiar a lógica consciente do sujeito.

O analista, ao trabalhar com a pulsão, deve ocupar uma posição particular. Ele não deve buscar resolver ou satisfazer a pulsão do analisando, mas deve permitir que ela se manifeste e que sua lógica de repetição seja explorada. O papel do analista é, em última instância, o de subverter o próprio circuito pulsional, permitindo que o sujeito enfrente a falta que estrutura seu desejo e que possa, a partir dessa confrontação, transformar sua relação com o Outro e com o gozo.

9. Conclusão: A Pulsão como Direcionamento do Sujeito

O conceito de pulsão em Lacan é um dos pilares centrais de sua teoria do sujeito. A pulsão não é uma força que visa à satisfação, mas é uma repetição que insiste na busca de um objeto perdido, um objeto que nunca pode ser plenamente encontrado. Essa força interna é o que direciona o comportamento do sujeito, tanto em sua relação com o desejo quanto em sua relação com o Outro.

Na clínica, a pulsão é um elemento central, pois é através dela que o sujeito se confronta com aquilo que escapa à simbolização, com aquilo que está além do princípio de prazer. Ao explorar a pulsão, o analista ajuda o sujeito a se aproximar de sua falta, de seu desejo, e a transformar sua relação com o gozo.

Compreender a pulsão em Lacan é, portanto, compreender a própria estrutura do sujeito psicanalítico, suas repetições, suas fantasias e sua relação com o desejo e o gozo. É uma tarefa fundamental para todo aquele que se dedica à clínica psicanalítica e à teoria do inconsciente.

Seminários em que Lacan explora a questão da pulsão, sua relação com o desejo, o gozo e o objeto a:

1. Seminário 10: A Angústia (1962-1963)

– Neste seminário, Lacan aprofunda a relação entre o objeto a e a pulsão, destacando como a angústia está intimamente ligada à ausência ou à presença desse objeto. A pulsão é explorada como algo que circula ao redor do objeto a.

2. Seminário 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964)

– Aqui, Lacan examina os conceitos de pulsão e repetição, além de estabelecer sua concepção da pulsão de morte e da estrutura repetitiva da pulsão, enfatizando a importância do Real e do objeto a no circuito pulsional.

3. Seminário 17: O Avesso da Psicanálise (1969-1970)

– Lacan aborda a pulsão no contexto dos discursos, sobretudo no Discurso do Analista, onde a pulsão e o desejo do analista têm um papel essencial. Ele explora como a pulsão opera em torno do gozo e da relação com o Outro.

4. Seminário 20: Mais, Ainda (1972-1973)

– Neste seminário, Lacan discute o conceito de gozo e sua relação com a pulsão, especialmente no que diz respeito à pulsão de morte e ao gozo além do princípio do prazer. Ele introduz o conceito de “gozo feminino” e faz distinções sutis entre diferentes modalidades de gozo que envolvem a pulsão.

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