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Quais são os 4 Discursos segundo Lacan – Estruturas do Discurso: Mestre, Universitário, Histeria e Analista

Quais são os 4 Discursos segundo Lacan - Estruturas do Discurso: Mestre, Universitário, Histeria e Analista

Introdução

A psicanálise, desde Freud, tem se ocupado da relação entre o sujeito e o inconsciente, um território muitas vezes marcado por contradições, ambiguidades e enigmas. Nesse cenário, Jacques Lacan emerge como um pensador fundamental ao renovar e aprofundar a teoria psicanalítica, introduzindo conceitos que vão além da prática clínica, abrangendo também a forma como o sujeito se articula socialmente.

Entre as contribuições mais impactantes de Lacan está sua teoria dos discursos. No Seminário 17, “O Avesso da Psicanálise”, Lacan estabelece as quatro estruturas de discurso: o Discurso do Mestre, o Discurso Universitário, o Discurso da Histeria e o Discurso do Analista. Esses discursos são, ao mesmo tempo, estruturas de laço social e formas de organizar a linguagem e o poder. A partir deles, Lacan propõe uma reflexão sobre as relações de poder, saber e desejo que sustentam as interações sociais e, por extensão, a dinâmica da subjetividade.

Os quatro discursos lacanianos não se referem apenas ao que é dito, mas também à posição que os sujeitos ocupam em relação ao saber, ao desejo e ao outro. São, portanto, ferramentas valiosas para compreender as dinâmicas psíquicas e sociais, especialmente no campo da clínica psicanalítica. Este texto tem o objetivo de explorar profundamente cada um desses discursos, abordando sua estrutura, suas implicações e sua relevância na prática psicanalítica.

Antes de Explicar sobre os 4 tipos de discurso iremos demonstrar os quatro gráficos representando os discursos de Lacan e explicar sobre Agente: S1 (Significante Mestre), Outro: a (objeto a), Produção: $ (sujeito dividido) e Verdade: S2 (saber):

Quais são os 4 Discursos segundo Lacan - Estruturas do Discurso: Mestre, Universitário, Histeria e Analista

1. Discurso do Mestre:

– Agente: S1 (Significante Mestre)
– Outro: a (objeto a)
– Produção: $ (sujeito dividido)
– Verdade: S2 (saber)

2. Discurso Universitário:

– Agente: S2 (saber)
– Outro: $ (sujeito dividido)
– Produção: a (objeto a)
– Verdade: S1 (Significante Mestre)

3. Discurso da Histeria:

– Agente: $ (sujeito dividido)
– Outro: S1 (Significante Mestre)
– Produção: S2 (saber)
– Verdade: a (objeto a)

4. Discurso do Analista:

– Agente: a (objeto a)
– Outro: S2 (saber)
– Produção: S1 (Significante Mestre)
– Verdade: $ (sujeito dividido)

Agente: S1 (Significante Mestre)

Segundo Lacan, o S1 (Significante Mestre) é o significante que funda e organiza o campo simbólico para o sujeito. Ele se refere ao primeiro significante que estrutura a cadeia de significantes subsequentes e dá origem ao discurso. O S1 funciona como um ponto de referência, um “comando” que estabelece a ordem simbólica e define as posições de poder e autoridade. É o significante que não remete a outro significante anterior, mas que inaugura o processo de significação, configurando-se como o núcleo do saber e do poder. No Discurso do Mestre, o S1 é o agente, que ocupa o lugar de comando, enquanto o saber (S2) é relegado ao lugar de verdade, indicando a supremacia do significante mestre sobre o campo do saber.

O S1 é o significante que encarna a figura do mestre, a autoridade que impõe uma verdade ou ordem ao Outro, sem necessariamente estar fundamentado em um saber racional ou completo. Em termos clínicos, o significante mestre pode representar os ideais, valores ou dogmas que estruturam a vida do sujeito, e que, mesmo sem uma fundamentação plena, exercem poder sobre ele. Esse significante é essencial para a formação da subjetividade, pois é a partir da identificação com o S1 que o sujeito entra no campo simbólico e se submete às leis da linguagem e da cultura. O S1, ao inaugurar a ordem simbólica, mantém o sujeito preso a uma forma de discurso que sustenta o poder e a hierarquia social.

Outro: a (objeto a)

Segundo Lacan, o “Outro” (com “O” maiúsculo) é uma instância fundamental na estruturação do sujeito. O Outro representa o campo simbólico da linguagem e da lei, é onde o sujeito busca reconhecimento e validação. É nesse Outro que o sujeito encontra o lugar do desejo, da falta e da significação. O “objeto a” (ou objet petit a), por outro lado, é um conceito que Lacan desenvolve para designar o objeto do desejo que é sempre faltante, inatingível e, ao mesmo tempo, causa do desejo. O “a” não é um objeto concreto, mas uma construção simbólica que o sujeito persegue, tentando preencher uma falta estrutural que surge pela entrada na linguagem e pela separação do Outro primordial (a mãe, por exemplo).

O “objeto a” está relacionado ao que falta ao sujeito e está no centro de sua busca incessante por completude. Embora nunca possa ser plenamente alcançado, é o que impulsiona o desejo e orienta o sujeito em suas relações com o Outro. Na prática clínica, o “objeto a” se manifesta de diversas formas, especialmente nos sintomas e fantasias, sendo um elemento central para entender o que move o desejo inconsciente. O analista, em sua posição no Discurso do Analista, opera a partir desse lugar do objeto a, para permitir que o sujeito se confronte com sua falta e o que o faz desejar.

Produção: $ (sujeito dividido)

Segundo Lacan, o sujeito dividido, representado pelo símbolo “$”, é uma das marcas centrais da psicanálise, remetendo à ideia de que o sujeito não é uma entidade completa ou coerente, mas está constantemente dividido entre o consciente e o inconsciente. Essa divisão surge a partir da entrada do sujeito no campo da linguagem, o que implica uma perda irreparável de sua unidade original. Ao se submeter às regras da linguagem, o sujeito torna-se alienado de seu desejo verdadeiro, que permanece fora do alcance da consciência. Essa divisão é uma consequência do fato de que o significante, ou seja, o elemento básico da linguagem, nunca pode representar totalmente o sujeito, sempre deixando algo de fora, uma lacuna que sustenta o desejo.

No contexto dos discursos de Lacan, a produção marcada pelo “$” se refere àquilo que emerge dessa divisão do sujeito. Quando o sujeito ocupa a posição de produção, ele é o produto das relações entre os significantes e a estrutura de poder ou saber que o molda, mas sempre de maneira incompleta. A produção do sujeito dividido revela sua constante insatisfação, sua busca incessante por algo que nunca pode ser plenamente alcançado. Em cada discurso, o “$” aponta para a falta fundamental que motiva o desejo, que jamais pode ser preenchido completamente por nenhum saber ou estrutura social.

Verdade: S2 (saber)

Para Lacan, o saber (S2) é estruturado em torno da linguagem e dos significantes que constituem o campo simbólico. S2 não é o saber como conhecimento pleno ou completo, mas sim o conjunto de significantes que organizam e regulam a experiência do sujeito. Esse saber está sempre em relação com o inconsciente, que é estruturado como uma linguagem. No entanto, para Lacan, o saber nunca pode abarcar completamente a verdade do sujeito, pois a verdade, enquanto tal, está no campo do indizível, do que escapa à simbolização total. O saber é fragmentário, incompleto e sempre mediado pelo significante, o que implica que a verdade só pode ser dita parcialmente.

A verdade, no entanto, não é diretamente acessível no saber formalizado. Para Lacan, a verdade aparece de forma fragmentada, muitas vezes através do equívoco, dos lapsos e dos sintomas, que são expressões do inconsciente. Nesse sentido, a verdade do sujeito não está no saber institucionalizado (S2), mas naquilo que escapa ao domínio do saber. O saber está, assim, ligado à função do mestre (S1) na medida em que organiza o discurso, mas é insuficiente para expressar a verdade plena do sujeito, que é marcada pela sua divisão ($) e por sua relação com o desejo e a falta.

1. O Discurso do Mestre

Definição e Características Principais

O Discurso do Mestre é uma das estruturas fundamentais da sociedade e, como tal, diz respeito à relação entre o poder e o saber. No Discurso do Mestre, o sujeito se posiciona como aquele que detém o saber e, portanto, exerce o poder sobre o outro. A figura do mestre é uma que dita as regras, estabelece o que é correto ou verdadeiro, e exige obediência de seus subordinados.

A estrutura desse discurso pode ser representada em um esquema que coloca o agente (o mestre) na posição de S1 (significante-mestre), enquanto o saber (S2) ocupa a posição de verdade. O sujeito dividido ($) está relegado à posição de produto, ou seja, é o resultado da operação do discurso do mestre, que ignora a divisão subjetiva e busca homogeneizar a verdade.

Relação entre Saber, Poder e Sujeito

No Discurso do Mestre, o saber é instrumentalizado para consolidar o poder. O mestre se sustenta na autoridade de um saber incontestável, mesmo que esse saber seja, muitas vezes, inconsistente ou arbitrário. O poder do mestre não se funda na verdade, mas na sua capacidade de sustentar um significante-mestre, uma ordem simbólica que impõe leis e determina a forma de relação com o mundo.

O sujeito, por sua vez, é colocado numa posição de submissão, onde seu desejo é constantemente ignorado ou suprimido em prol da manutenção da ordem estabelecida pelo mestre. Há uma alienação do sujeito em relação ao seu próprio saber e desejo, uma vez que o discurso do mestre opera para apagar essa divisão e se sustentar na ilusão de completude e controle.

Exemplos Práticos

Na sociedade, o Discurso do Mestre pode ser identificado em diversas instituições, como a escola, o governo e a família patriarcal. É o discurso que organiza as hierarquias e sustenta as figuras de autoridade. Por exemplo, na educação tradicional, o professor muitas vezes ocupa a posição de mestre, impondo um saber que deve ser transmitido aos alunos sem espaço para questionamento. No campo político, o líder autoritário se sustenta no Discurso do Mestre ao se colocar como aquele que detém a verdade e o controle sobre o destino da nação.

Reflexão

Na clínica psicanalítica, o Discurso do Mestre também pode aparecer, sobretudo na figura do terapeuta que se coloca como detentor do saber sobre o paciente. Lacan alerta contra esse perigo, enfatizando que o analista não deve ocupar o lugar de mestre, pois a psicanálise não é uma prática que busca impor uma verdade ao sujeito, mas sim conduzi-lo à descoberta de seu próprio desejo e de sua divisão subjetiva.

2. O Discurso Universitário

Definição e Estrutura

O Discurso Universitário, por sua vez, é uma variação do Discurso do Mestre, mas com uma inversão fundamental: aqui, o saber (S2) assume o lugar de agente, e o significante-mestre (S1) ocupa a posição de verdade. A estrutura desse discurso coloca o saber em posição de destaque, enquanto o sujeito dividido ($) permanece como objeto, submetido ao saber acumulado e codificado pelas instituições.

O Discurso Universitário é o que organiza a produção e transmissão do saber de forma institucionalizada. Nele, o saber é sistematizado, categorizado e apresentado como verdade científica ou acadêmica. A posição de mestre é ocupada, muitas vezes, de forma implícita, como um saber que detém a verdade, mas que está oculto sob camadas de formalização e racionalização.

Relação entre Saber e Verdade

O Discurso Universitário opera sob a suposição de que o saber é a chave para a verdade. No entanto, para Lacan, essa relação entre saber e verdade é problemática, pois o saber nunca é completo nem absoluto. O saber é sempre parcial, incompleto, e falha em capturar a verdade do sujeito dividido. A verdade, no Discurso Universitário, é, na verdade, o significante-mestre oculto, que determina as regras do jogo sem se apresentar de forma direta.

Implicações para a Psicanálise

No campo da psicanálise, o Discurso Universitário pode ser problemático quando aplicado à formação de psicanalistas ou à teorização da clínica. O saber acadêmico, por exemplo, tende a formalizar e codificar a experiência psicanalítica, reduzindo-a a uma série de conceitos que podem ser ensinados e transmitidos. No entanto, Lacan sugere que a psicanálise é, por definição, uma prática que escapa à formalização completa, pois lida com o inconsciente, que é o lugar da falha e da falta.

3. O Discurso da Histeria

Definição e Estrutura

O Discurso da Histeria é um dos mais intrigantes, pois coloca o sujeito dividido ($) na posição de agente. A histeria, como estrutura clínica, está centrada na questão do desejo: “O que o Outro quer de mim?” O histérico está em constante busca de entender o desejo do Outro, mas nunca obtém uma resposta definitiva. O Discurso da Histeria, portanto, é marcado por uma insatisfação constante e por um questionamento incessante.

No Discurso da Histeria, o sujeito se coloca como objeto do desejo do Outro, mas ao mesmo tempo desafia o poder do mestre. A relação entre o sujeito histérico e o mestre é de revolta e subversão, pois o histérico coloca em questão a autoridade e a legitimidade do saber do mestre.

Relação entre Sujeito e Desejo

A dinâmica do desejo é central no Discurso da Histeria. O histérico se define pela sua posição de questionamento e desafio em relação ao saber do mestre, mas esse questionamento nunca é totalmente resolvido. O histérico está sempre insatisfeito, pois o saber que procura nunca é suficiente para responder à pergunta fundamental sobre o desejo do Outro.

Na clínica, o Discurso da Histeria pode se manifestar na transferência, onde o analisando histérico coloca o analista na posição de mestre, mas ao mesmo tempo desafia sua autoridade, mantendo uma tensão entre submissão e rebeldia.

Exemplos Práticos e Clínica

Na sociedade, o Discurso da Histeria pode ser observado em movimentos que desafiam a autoridade estabelecida, questionando as normas e as hierarquias. Na clínica, o sujeito histérico é aquele que provoca o analista, buscando respostas, mas ao mesmo tempo recusando-se a aceitá-las. O desafio para o analista é evitar cair na armadilha do mestre e, em vez disso, usar o Discurso do Analista para promover uma abertura no saber e no desejo.

4. O Discurso do Analista

Estrutura e Propósito

O Discurso do Analista é o que mais diretamente se relaciona à prática psicanalítica. Nele, o analista ocupa a posição de agente, mas não para impor um saber ou controlar o sujeito. Ao contrário, o Discurso do Analista opera a partir do lugar do objeto a, que é a causa do desejo. O analista, portanto, não se coloca como mestre, mas como aquele que facilita a emergência do desejo do sujeito.

No Discurso do Analista, o sujeito dividido ($) ocupa a posição de verdade, ou seja, a verdade do sujeito está em sua divisão, em sua falta. O objetivo da análise não é completar ou curar o sujeito, mas ajudá-lo a reconhecer e se apropriar de sua própria falta e desejo.

O Papel do Silêncio e da Escuta

O silêncio do analista é uma ferramenta crucial no Discurso do Analista. Diferente do mestre, que fala para impor uma verdade, o analista escuta para permitir que o sujeito fale e se ouça. A transferência, nesse contexto, é manejada para que o sujeito possa se confrontar com sua própria verdade, em vez de projetá-la no analista.

Exemplos de Operação na Clínica

Na prática clínica, o Discurso do Analista se manifesta na escuta atenta e na posição não-diretiva do analista. O analista não oferece respostas ou soluções, mas cria o espaço para que o sujeito descubra as suas próprias. A relação transferencial é fundamental aqui, pois é através dela que o sujeito pode explorar suas fantasias, seus desejos e suas resistências.

Comparação e Articulação entre os Quatro Discursos

Os quatro discursos de Lacan formam um sistema dinâmico que permite diferentes formas de articulação entre saber, poder, desejo e verdade. Eles não são mutuamente excludentes, mas podem se inter-relacionar de maneiras complexas e, por vezes, contraditórias.

No campo da clínica psicanalítica, é essencial que o analista reconheça qual discurso está em jogo no processo analítico, tanto no que diz respeito ao analisando quanto à sua própria posição. O risco de o analista cair no Discurso do Mestre ou do Universitário é sempre presente, e é por isso que o Discurso do Analista se destaca como a posição ética por excelência na psicanálise.

Conclusão

Os quatro discursos lacanianos oferecem uma poderosa ferramenta para entender não apenas as dinâmicas da clínica psicanalítica, mas também as estruturas de poder, saber e desejo que permeiam a sociedade como um todo. Compreender essas estruturas é fundamental para qualquer psicanalista, pois permite uma leitura mais profunda do sujeito e de sua relação com o outro.

Ao reconhecer os diferentes discursos e suas implicações, o analista pode manejar melhor a transferência e auxiliar o sujeito a confrontar sua própria verdade e seu desejo, sem se deixar capturar pelas armadilhas do mestre ou do saber institucionalizado.

Jacques Lacan desenvolve sua teoria dos discursos ao longo de seus seminários, principalmente no Seminário 17: “O Avesso da Psicanálise” (1969-1970), onde formaliza os quatro discursos fundamentais: o Discurso do Mestre, o Discurso Universitário, o Discurso da Histeria e o Discurso do Analista. Além do Seminário 17, os conceitos e implicações desses discursos podem ser encontrados e ampliados em outros momentos de sua obra, como:

1. Seminário 16: “De Um Outro ao Outro” (1968-1969): aqui, Lacan começa a esboçar a ideia das diferentes formas de laço social, preparando o terreno para a formalização dos quatro discursos no seminário seguinte.
2. Seminário 18: “De Um Discurso Que Não Seria do Semblante” (1971): continua a desenvolver os conceitos introduzidos no Seminário 17, explorando mais a fundo a relação entre o discurso e a verdade.
3. Seminário 20: “Mais, Ainda” (1972-1973): Lacan revisita e expande suas ideias sobre o discurso, especialmente no que diz respeito à posição do analista e à feminilidade no discurso.

Sugestões de Leitura e Referências:

Lacan, J. (1992). O Seminário, Livro 17: O Avesso da Psicanálise.
Miller, J.-A. (2000). Lacan: O Saber do Psicanalista.
Žižek, S. (2006). Como Ler Lacan.

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