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Caso Schreber: Psicose Paranoica e a Análise Psicanalítica de Freud

Caso Schreber: Psicose Paranoica e a Análise Psicanalítica de Freud

Antes de entrarmos no Caso Schreber é importante falar um pouco a respeito do que seria a Psicose Paranoica e os elementos que influenciam nessas condições:

“A Psicose Paranoica e o Caso Schreber: O Conflito do Ego, Narcisismo Primário e a Falha na Mediação com o Superego”

A psicose paranoica, na psicanálise, é um quadro clínico caracterizado por um distúrbio grave na relação entre o ego e o mundo externo, no qual o sujeito perde o contato com a realidade e desenvolve uma intensa suspeita e desconfiança em relação aos outros. Esse tipo de psicose é visto, em grande parte, como resultado de um fracasso na mediação do ego entre os desejos do id (instintos) e as demandas do superego (normas morais internalizadas). De acordo com Freud, o ego tem a função de integrar as diferentes instâncias psíquicas e mediar o inconsciente com a realidade externa, mas na psicose, esse processo falha. O ego, em vez de manter essa função de mediação, se desintegra ou se reorganiza de maneira que não consegue sustentar a função da realidade, o que leva ao desenvolvimento de delírios persecutórios e outras manifestações típicas da paranoia.

Conflito Psíquico e Desenvolvimento Deficiente do Ego

O conflito psíquico na psicose paranoica surge, principalmente, pela incapacidade do ego de lidar adequadamente com os impulsos inconscientes e as exigências do superego. Em indivíduos com psicose, o ego não consegue realizar sua função de organizar a realidade interna e externa de forma coesa, o que leva à perda de sintonia com a realidade. Em vez de processar e simbolizar as pulsões de maneira ajustada à realidade, o ego acaba sendo invadido por representações mentais distorcidas e fragmentadas, muitas vezes resultantes de um processo de projeção, onde conteúdos internos são atribuídos ao mundo externo.

Este fracasso na mediação do ego impede que o indivíduo estabeleça uma ligação funcional com o superego, o que o impede de internalizar normas sociais e morais de maneira adequada. Como resultado, o sujeito não desenvolve uma consciência clara de si mesmo e da sua posição no mundo social, sendo levado a um estado de confusão e desorganização psíquica.

Narcisismo Primário e Falha na Imagem de Si

Freud, em seus trabalhos sobre o narcisismo, sugere que no desenvolvimento saudável, a criança começa sua formação psíquica em um estado de narcisismo primário, onde não há uma clara distinção entre o eu e o outro. A partir da interação com o ambiente e dos vínculos com os outros (como os pais e figuras de autoridade), a criança vai se desenvolvendo e formando uma imagem de si que é mediada pelas comparações com os outros.

No caso da psicose paranoica, essa evolução é prejudicada. O ego não consegue se expandir de forma saudável e integrar as experiências externas de maneira progressiva. O sujeito permanece preso a um estado de narcisismo primário, ou seja, ele não consegue se perceber como um ser separado e distinto dos outros, e ainda mais crucial, não consegue desenvolver uma imagem de si adequada por meio da comparação com o outro. Isso resulta em um isolamento psíquico, onde o sujeito não é capaz de formar uma imagem de si coesa. Em vez disso, o ego se refugia em representações distorcidas e grandiosas, típicas do narcisismo patológico, ou em delírios persecutórios, como formas de proteger-se do contato com um mundo externo que ele não consegue compreender de maneira integrada.

1. Introdução ao Caso Schreber: Contextualização Histórica

Daniel Paul Schreber (1842-1911) é uma figura central na história da psicanálise devido ao impacto de seu caso na compreensão da psicose paranoica. Schreber era um juiz respeitado na Alemanha, mas sofreu com um colapso mental que o levou a uma série de internações e a um quadro psicótico grave, que documentou em suas memórias: Denkwürdigkeiten eines Nervenkranken (“Memórias de um Doente dos Nervos”). Esse relato oferece uma perspectiva única sobre a experiência interna da psicose e foi a principal fonte de análise de Freud.

A importância do caso de Schreber vai além de uma simples descrição clínica de uma psicose: é um exemplo fundamental para os estudos da paranoia, tanto na psicanálise quanto na psiquiatria. Freud interpretou o caso como uma janela para compreender a psicose a partir de uma abordagem psicanalítica, propondo conceitos inovadores como a homossexualidade reprimida e a relação narcisista. O objetivo deste artigo é explorar a visão psicanalítica de Freud sobre o caso Schreber, sua importância histórica e suas contribuições para a compreensão contemporânea da psicose paranoica.

2. A Vida de Daniel Paul Schreber e o Início de Seus Sintomas

Contexto Biográfico e Familiar de Schreber

Schreber nasceu em uma família influente e foi educado sob uma rígida disciplina. Seu pai, Moritz Schreber, era um pedagogo conhecido por práticas severas que visavam moldar a personalidade e o comportamento das crianças. A infância de Schreber, marcada por essas imposições disciplinares e repressões, pode ter contribuído para o desenvolvimento de características obsessivas e autoritárias que, em última instância, influenciariam sua psique.

Desenvolvimento dos Sintomas Psicóticos e Paranoicos

O primeiro episódio psicótico de Schreber ocorreu quando ele tinha cerca de 40 anos, após um período de intenso estresse profissional e pessoal. Ele começou a experimentar alucinações e delírios envolvendo uma conspiração divina para transformá-lo em mulher. Schreber acreditava que Deus estava tentando alterar seu corpo para que ele pudesse procriar uma nova raça de humanos. Essas alucinações, fortemente associadas a elementos religiosos e sexuais, representam o núcleo de sua psicose.

Relatos de Schreber Sobre Suas Alucinações e Paranoias

Em suas memórias, Schreber relata como via figuras divinas, ouvia vozes e acreditava que era alvo de forças sobrenaturais que tentavam controlá-lo. Ele se referia à sua experiência como uma “relação com Deus” que, segundo ele, consistia na imposição de uma transformação corporal que o feminilizaria. Essa temática de uma feminilidade imposta possui implicações profundas para a psicanálise, uma vez que Freud interpretaria esses delírios como uma expressão simbólica de desejos inconscientes.

3. A Análise Psicanalítica de Freud Sobre o Caso Schreber

Como Freud Conheceu o Caso Schreber

Freud tomou conhecimento do caso Schreber através da leitura das memórias do próprio Schreber. Sem contato direto com o paciente, Freud analisou a psicose de Schreber a partir de uma perspectiva interpretativa, utilizando os relatos contidos nas memórias como material clínico.

Principais Conceitos Utilizados por Freud na Análise do Caso Schreber

Freud viu no caso Schreber uma oportunidade para aplicar suas teorias psicanalíticas à psicose. Ele utilizou conceitos como libido, recusa da realidade (Verleugnung), e a formação de delírios como mecanismos para interpretar os sintomas de Schreber. Freud propôs que o delírio de Schreber era uma tentativa de reorganizar a realidade interna do paciente, numa espécie de defesa contra a fragmentação psíquica.

A Interpretação Freudiana: Libido, Narcisismo e Homossexualidade Reprimida

Homossexualidade Reprimida e Desejos Inconscientes

Freud sugeriu que a psicose de Schreber continha elementos de homossexualidade reprimida, apoiando-se nos delírios de Schreber sobre ser transformado em mulher. Em suas memórias, Schreber descreveu como acreditava que Deus queria transformá-lo em uma mulher para que ele pudesse ser “a esposa de Deus” e procriar uma nova raça. Freud interpretou essa fantasia de feminilização como uma expressão simbólica de um desejo inconsciente de uma relação homossexual passiva. A homossexualidade, que Schreber aparentemente não reconhecia conscientemente, emergiu de forma distorcida nos delírios, como uma “conspiração” externa e divina.

Para Freud, esse desejo inconsciente — por estar profundamente reprimido e incompatível com a consciência de Schreber — retornou em uma forma delirante, porque a mente de Schreber teve que encontrar uma maneira de reconciliar o desejo interno com suas defesas psíquicas. Freud teorizou que a “transformação em mulher” representava um desejo recalcado, voltando à consciência de maneira distorcida e simbólica, uma vez que a repressão tornava impossível para Schreber reconhecer esse desejo de forma consciente e direta.

Narcisismo e a Relação Libidinal Com o Próprio Ego

Freud também utilizou o conceito de narcisismo para explicar a psicose de Schreber. No modelo freudiano, o narcisismo ocorre quando a libido (a energia sexual ou de ligação) volta-se para o próprio ego, em vez de se direcionar ao mundo externo e aos relacionamentos com outras pessoas. Freud observou que em muitos casos de psicose há uma ruptura com a realidade externa, o que leva o indivíduo a se fechar em um mundo interior, criando uma relação auto-centrada. Essa ruptura é um mecanismo defensivo, permitindo ao indivíduo manter uma organização psíquica interna ao custo de uma desconexão com o mundo real.

No caso de Schreber, Freud interpretou que, ao não conseguir estabelecer ou sustentar uma ligação libidinal com outros homens — devido à repressão do desejo homossexual — a libido se voltou para o próprio ego de Schreber. Esse retorno da libido ao próprio ego é a base do narcisismo, uma vez que Schreber começa a ver-se como objeto central da atenção e conspiração divina. Esse deslocamento libidinal para o próprio ego transforma a relação com a realidade externa, substituindo relações objetais (relacionamentos externos) por uma relação consigo mesmo. Como resultado, a mente de Schreber cria uma realidade alternativa onde ele é o foco de forças externas (como Deus ou figuras sobrenaturais), refletindo a intensificação da autoimagem e do isolamento.

4. Conceitos Psicanalíticos Envolvidos no Caso Schreber

Psicose e Paranoia: Definições Psicanalíticas

Freud diferenciou a psicose e a neurose, com a psicose envolvendo uma ruptura mais grave na relação do indivíduo com a realidade externa. A paranoia, um tipo específico de psicose, é caracterizada por delírios de perseguição e grandeza, onde o paciente reinterpreta a realidade de acordo com uma lógica própria, na tentativa de lidar com conflitos inconscientes.

Narcisismo e Homossexualidade na Psicanálise Freudiana

Freud argumentou que Schreber possuía desejos homossexuais reprimidos que ele não era capaz de reconhecer conscientemente. Para Freud, esses desejos reprimidos voltaram-se contra o próprio Schreber, gerando uma “ameaça” interna que precisou ser externalizada na forma de delírios paranóicos.

Mecanismos de Defesa e o Delírio de Schreber

Os mecanismos de defesa são processos psíquicos que protegem o ego de ameaças internas e externas. No caso de Schreber, o delírio foi uma defesa contra a desintegração do ego. Esse “escudo delirante” protegeu Schreber do colapso completo, permitindo-lhe uma forma de organização psíquica ainda que através da distorção da realidade.

5. A Contribuição do Caso Schreber para a Psicanálise Contemporânea

Influência do Caso Schreber nos Estudos da Psicose

O caso Schreber foi pioneiro para o estudo da psicose na psicanálise e psiquiatria. Ele forneceu um modelo para entender como a mente constrói delírios como defesa contra conflitos internos insuportáveis. A análise de Freud foi um dos primeiros exemplos de como a psicanálise poderia ser aplicada além das neuroses e na compreensão de patologias graves como a psicose.

Teorias Psicanalíticas Pós-Freudianas e o Caso Schreber

Após Freud, teóricos como Jacques Lacan, Melanie Klein e Donald Winnicott contribuíram com novas perspectivas para entender a psicose. Lacan, por exemplo, reinterpretou o caso Schreber à luz do conceito de “Nome-do-Pai”, analisando a psicose como um resultado da falha na simbolização e na estruturação do sujeito. Klein, por sua vez, focou nos processos de identificação projetiva e no papel das fantasias inconscientes.

Relevância para a Prática Clínica Atual

O caso Schreber é uma referência fundamental no estudo da psicose e continua a orientar abordagens clínicas na psicanálise. A análise de Freud sobre os delírios e os mecanismos de defesa de Schreber fornece aos clínicos uma base teórica para identificar padrões similares em pacientes com psicose, especialmente em relação a temas persecutórios e paranoicos. A interpretação freudiana de mecanismos como a homossexualidade reprimida e o narcisismo aplicado à psicose oferece uma estrutura para compreender como desejos e conflitos inconscientes podem se manifestar em formas de delírio.

Aplicar esse conhecimento no setting analítico permite aos psicanalistas abordar os delírios dos pacientes com uma perspectiva mais empática e informada. Em vez de desconsiderar essas construções mentais, os profissionais são encorajados a explorá-las como expressões simbólicas de conflitos profundos, que podem estar mascarando medos, desejos ou traumas inconscientes. Essa visão permite ao clínico validar a experiência subjetiva do paciente, facilitando a formação de uma aliança terapêutica e promovendo uma compreensão mais profunda de suas necessidades psíquicas.

Além disso, o estudo do caso Schreber enfatiza a importância de observar como o ego de pacientes com psicose constrói mecanismos de defesa complexos e altamente individualizados, muitas vezes sob a forma de delírios. Isso alerta os clínicos para a relevância de adaptar a técnica e o manejo no setting analítico, respeitando a fragilidade do vínculo com a realidade externa. Assim, o caso Schreber continua a ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de abordagens clínicas que lidem com as complexidades da psicose e da paranoia, fornecendo uma base teórica e prática para o entendimento desses quadros.

Aqui estão os principais escritos de Freud sobre o caso Schreber e temas relacionados à psicose e paranoia:

“Notas Psicanalíticas sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de Paranóia (Dementia Paranoides)” (1911)

Freud analisa as “Memórias de um Doente dos Nervos” de Schreber, interpretando seus delírios e explorando temas como homossexualidade reprimida e defesa psíquica na paranoia.

“Introdução ao Narcisismo” (1914)

Freud introduz o conceito de narcisismo primário e secundário e discute como a libido retraída para o ego desempenha um papel importante na psicose.

“Conferências Introdutórias sobre Psicanálise” (1916-1917)

Nestas palestras, Freud diferencia neurose e psicose e revisita o caso Schreber como exemplo da ruptura com a realidade observada na paranoia.

“Uma Neurose Demoníaca do Século XVII” (1923)

Embora não trate diretamente do caso Schreber, Freud explora a manifestação de crenças religiosas em quadros psíquicos, conceito que ele também associa à psicose no caso Schreber.

“Inibições, Sintomas e Ansiedade” (1926)

Freud discute os mecanismos de defesa e as relações entre ansiedade e sintomas, temas que se aplicam ao entendimento da psicose e do caso Schreber.

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