Tag: Lacan e a relação entre o sujeito e o outro

Antes do Estádio de Espelho: A Formação Inicial do Sujeito segundo Lacan

Antes do Estádio de Espelho: A Formação Inicial do Sujeito segundo Lacan

A Fase Pré-Linguística e a Imersão no Outro

Antes do Estádio do Espelho, Lacan descreve o sujeito como estando em uma condição “pré-linguística” ou “pré-simbólica”, em que a distinção entre o “eu” e o “outro” ainda não se formou. Nesse estágio inicial da vida, o bebê vive em um estado de fusão com o ambiente ao redor, especialmente com o corpo materno ou cuidador, que funciona como a fonte primária de satisfação de suas necessidades básicas. Este estado, que Lacan chama de “estádio do não-eu”, caracteriza-se pela ausência de uma noção de individualidade. A criança não se reconhece como um sujeito separado, pois sua experiência é mediada exclusivamente por sensações corporais, instintos e a busca pela satisfação imediata.

Essa fase é marcada pela dependência total do outro e pela ausência de um sentido de identidade. No entanto, Lacan aponta que, mesmo nesse estágio primitivo, o sujeito está inserido no campo simbólico, embora de forma inconsciente. A relação com o cuidador e as respostas que este fornece às necessidades do bebê já estão carregadas de significação, antecipando a entrada no campo da linguagem e do desejo. Esse vínculo primário estabelece as bases para a futura estruturação do sujeito, ainda que, nesse momento, ele não possua consciência reflexiva de si mesmo.

O Corpo, os Instintos e o Campo do Outro

Durante a fase anterior ao Estádio do Espelho, o corpo da criança é central, mas não no sentido de um corpo integrado ou estruturado simbolicamente. Em vez disso, o corpo é uma soma de sensações fragmentadas e impulsos instintivos que buscam satisfação imediata. Lacan enfatiza que, nesse estágio, o bebê experimenta o mundo de maneira não mediada, ou seja, sem a filtragem simbólica que a linguagem posteriormente proporcionará. Os instintos biológicos — fome, sono, conforto físico — direcionam a interação com o mundo externo, mas ainda não há uma organização psíquica que constitua um “eu” consciente.

Simultaneamente, o bebê está profundamente imerso no campo do “outro”. O outro, aqui, não é apenas a figura do cuidador, mas também um campo simbólico que configura o mundo ao redor. Lacan sugere que o bebê, mesmo antes de se reconhecer como um sujeito autônomo, está inserido no desejo do outro. O cuidador, ao responder às necessidades do bebê, também projeta nele desejos e significados que vão além do atendimento puramente biológico. Esse processo cria um cenário em que o bebê começa a ser moldado pelo campo do outro, preparando o terreno para a transição simbólica que ocorrerá no Estádio do Espelho.

A Relação com o Desejo do Outro e a Formação da Falta

O desejo do outro é um elemento central no pensamento lacaniano, mesmo antes do sujeito ter uma consciência clara de si. Lacan argumenta que, desde os primeiros momentos de vida, o bebê não apenas depende do outro para sobreviver, mas também é afetado pelo desejo do outro, que opera como um agente estruturador. Essa relação é ambígua: o outro é fonte de satisfação e cuidado, mas também é quem introduz a ideia de falta, ainda que de maneira implícita. A ausência ocasional do cuidador ou a impossibilidade de atender plenamente às demandas do bebê começam a insinuar uma sensação de incompletude.

Essa experiência inicial de falta, mesmo que ainda não totalmente consciente, é fundamental para a formação do desejo, que só se tornará mais evidente após o Estádio do Espelho. Antes disso, o desejo do bebê está completamente vinculado ao desejo do outro, na medida em que ele depende das respostas simbólicas e afetivas que recebe. Essa dinâmica de dependência e falta começa a esboçar o que será a base do sujeito no sistema simbólico: a noção de que o desejo é sempre mediado por um outro e nunca é plenamente satisfeito.

O Preâmbulo do Sujeito

Antes do Estádio do Espelho, o sujeito não pode ser definido como um “eu” completo, mas também não é puramente instintivo. Lacan descreve essa fase como uma etapa de experiência não reflexiva, em que o bebê vive uma relação primitiva com seu corpo e com o mundo ao redor. Não há ainda uma consciência clara de separação ou autonomia, mas há uma interação constante com o outro, que fornece não apenas sustento físico, mas também antecipações simbólicas que moldarão a futura subjetividade.

Essa fase prepara o sujeito para a transformação que ocorrerá no Estádio do Espelho. A introdução da linguagem, da simbolização e do reconhecimento de si mesmo como uma imagem separada e unificada marcará o início de uma nova etapa. Antes disso, no entanto, o sujeito é definido por uma relação simbiótica com o outro e pela ausência de uma identidade fixa, sendo movido por necessidades, impulsos e pelo desejo que lhe é atribuído pelo outro. Essa etapa inicial, ainda que fragmentária, é o alicerce da subjetividade que emergirá posteriormente.

Conclusão

Antes do Estádio do Espelho, Lacan nos convida a refletir sobre um momento crucial, porém frequentemente invisível, na formação da subjetividade: a fase em que o sujeito ainda não se reconhece como um “eu”. Essa etapa inicial, caracterizada pela imersão no campo do outro e pela ausência de uma separação clara entre o “eu” e o mundo externo, revela que o ser humano é, desde o início, moldado por uma dinâmica simbólica e relacional. Mesmo antes da entrada plena no campo da linguagem, a criança já está em relação com o desejo do outro e com as antecipações simbólicas que este projeta sobre ela, estabelecendo as bases para a estruturação do sujeito no sistema simbólico. É nesse período de dependência absoluta e vivência fragmentada que se começam a delinear as coordenadas que darão forma à subjetividade futura.

Compreender essa fase é essencial para perceber que o sujeito não emerge isolado ou puramente a partir de suas próprias experiências, mas é, desde o início, constituído pela interação com o outro e pela presença da falta. Essa falta, que só será plenamente reconhecida com o Estádio do Espelho, já começa a operar implicitamente, inaugurando o campo do desejo como motor da subjetividade. Assim, o estágio anterior ao reconhecimento da própria imagem no espelho não é apenas uma etapa preparatória, mas um momento formativo, onde o ser humano, mesmo sem um “eu” estruturado, é profundamente impactado por forças simbólicas que moldam sua futura relação consigo mesmo e com o mundo.

Seminários de Lacan que abordam o tema acima

Os conceitos relacionados ao Estádio do Espelho e à formação inicial do sujeito são discutidos principalmente nos seguintes seminários de Jacques Lacan:

Seminário I: Os Escritos Técnicos de Freud (1953-1954)
– Lacan introduz as bases para pensar a constituição do sujeito e o papel da linguagem.

Seminário II: O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise (1954-1955)
– Desenvolve as noções do “eu” e do “outro” no contexto psicanalítico.

Seminário III: As Psicoses (1955-1956)
– Expande a relação entre o simbólico e o imaginário na formação do sujeito.

Seminário IV: A Relação de Objeto (1956-1957)
– Examina a importância do outro como estruturante do sujeito.

Seminário VII: A Ética da Psicanálise (1959-1960)
– Toca na questão da falta e do desejo como centrais na constituição subjetiva.

Seminário XI: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964)
– Introduz conceitos como o desejo do outro e o olhar, que se relacionam ao reconhecimento no Estádio do Espelho.

Seminário XIII: O Objeto da Psicanálise (1965-1966)
– Reaproxima o Estádio do Espelho à noção de falta e ao desenvolvimento do desejo.

Seminário XVII: O Avesso da Psicanálise (1969-1970)
– Explora como o sujeito é constituído no campo do outro.

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