O “Caso Homem dos Ratos” é um dos estudos mais intrigantes e reveladores de Freud sobre a neurose obsessiva e oferece uma perspectiva rica sobre o funcionamento do inconsciente, os mecanismos obsessivo-compulsivos e a dinâmica simbólica que emerge em sintomas característicos. Esse caso emblemático representa uma peça fundamental para estudantes e profissionais de psicanálise, não apenas pelo seu conteúdo clínico, mas também pelas técnicas e interpretações pioneiras empregadas por Freud para desvendar a complexidade da neurose obsessiva.
Antes de entrarmos na introdução do Caso Homens dos Ratos iremos falar de forma breve o que seria a Neurose Obsessiva:
A neurose obsessiva é um tipo de neurose caracterizado por conflitos psíquicos intensos em que desejos inconscientes, geralmente de natureza agressiva ou sexual, entram em oposição ao ego e ao superego, que agem como forças repressoras. Esses desejos são considerados inaceitáveis pela consciência, o que leva o indivíduo a desenvolver rituais obsessivos e pensamentos intrusivos como uma forma de defesa contra esses impulsos reprimidos. Na neurose obsessiva, o superego atua de maneira punitiva, gerando sentimentos de culpa que intensificam os rituais e as compulsões, numa tentativa inconsciente de neutralizar ou “anular” os impulsos proibidos. Esses sintomas, como compulsões e ruminações, são formas simbólicas de expressar e controlar o conflito interno, revelando o impacto da repressão e da ambivalência nos relacionamentos e no comportamento.
1. Introdução ao Caso Homem dos Ratos
O “Caso Homem dos Ratos”, estudado por Freud em 1907 e publicado em 1909, envolve o tratamento de Ernst Lanzer, um jovem advogado, que além de sua profissão, também servia como militar. Ele procurou Freud devido a sintomas obsessivos, sendo atormentado por pensamentos intrusivos e rituais compulsivos, que o consumiam de forma intensa e impactavam seu cotidiano. O caso ficou famoso por ilustrar como as neuroses obsessivas podem estar ligadas a conflitos inconscientes profundos, em especial os desejos e as ansiedades reprimidas relacionadas à sexualidade infantil e ao complexo de Édipo.
Esse paciente, um jovem advogado vienense, procurou Freud profundamente atormentado por pensamentos e rituais obsessivos, principalmente envolvendo o medo de um castigo sádico e imaginário conhecido como “a punição dos ratos.” Esse temor, embora irracional, consumia o rapaz, dominando sua mente e dificultando o funcionamento em outras áreas de sua vida. A princípio, parecia que o jovem buscava evitar esse destino temido, mas, à medida que a análise progrediu, Freud revelou que as obsessões do paciente tinham origens complexas, envolvendo desejos inconscientes, sentimentos de culpa e ansiedades reprimidas, além de um profundo vínculo com as figuras parentais e com o próprio desejo de autopunição.
O evento específico que desencadeou o processo obsessivo teve relação com uma soma de dinheiro que ele precisava transferir para um oficial superior, o Tenente “A”. O jovem jurou que cumpriria essa tarefa de maneira meticulosa, pois acreditava que qualquer falha poderia desencadear a temida “punição dos ratos”. No entanto, o paciente ficou arrasado ao descobrir que a quantia já havia sido paga por um segundo oficial, o Tenente “B”, tornando o juramento desnecessário. Isso o deixou em um estado de profundo desespero, pois agora ele estava preso a uma promessa que não podia cumprir, o que simbolizava para ele uma forma de fracasso e desonra, intensificando sua sensação de culpa e inutilidade. Para ele, esse compromisso quebrado era como um tormento sem fim, mesmo que, racionalmente, entendesse que a dívida fora quitada.
Freud analisou como essa situação aparentemente trivial carregava um significado inconsciente mais profundo. O jovem projetava nessa promessa um complexo emaranhado de sentimentos: o medo da punição pelos ratos representava, simbolicamente, uma resposta ao seu desejo de autopunição. Freud percebeu que a obsessão do jovem envolvia uma compulsão de expiação, uma necessidade de sofrer em resposta a seus desejos inconscientes reprimidos, possivelmente relacionados a fantasias sexuais infantis e conflitos edípicos. Assim, o castigo dos ratos atuava como uma expressão simbólica da culpa que o jovem sentia por seus impulsos inconscientes, especialmente aqueles ligados a figuras paternas e à autoridade. Freud observou que, ao manter-se preso a essa promessa, o paciente perpetuava o sofrimento, o que inconscientemente poderia ser uma tentativa de aliviar a culpa.
A análise de Freud revelou que o medo obsessivo e a necessidade de se apegar a promessas impossíveis eram estratégias do inconsciente do jovem para lidar com emoções e desejos que ele não podia aceitar conscientemente. O jovem advogado projetava suas ansiedades e sentimentos de culpa em um cenário externo – uma promessa impossível e um castigo imaginário – para que pudesse enfrentar essas emoções de maneira indireta. Esse mecanismo de deslocamento permitia que ele mantivesse seus verdadeiros desejos e medos em um nível inconsciente, mas, ao mesmo tempo, o mantinha preso em um ciclo de sofrimento e angústia. Freud identificou que esse processo era central nas neuroses obsessivas: o paciente, ao projetar seus conflitos internos em objetos e situações externas, tornava-se refém de um padrão de pensamentos e ações que dificilmente poderia quebrar sem uma análise profunda.
No fim, o caso do Homem dos Ratos ilustra de maneira poderosa o papel da culpa e da autopunição nas neuroses obsessivas, além de demonstrar como as experiências da infância, especialmente aquelas ligadas à sexualidade e às relações parentais, continuam a impactar a psique adulta de maneiras complexas. A “punição dos ratos” e o compromisso com promessas impossíveis tornaram-se símbolos das forças inconscientes que o jovem não podia confrontar abertamente. Para estudantes de psicanálise, o caso exemplifica como os sintomas obsessivos são construídos em torno de conflitos psíquicos, onde desejos e ansiedades reprimidos encontram formas indiretas de expressão, mantendo o sujeito em um ciclo autodestrutivo e enigmático. Freud mostrou que, ao desvendar esses símbolos e identificar a origem dos conflitos inconscientes, o paciente poderia começar a compreender e, eventualmente, a superar a fonte de seu sofrimento.
Freud identificou em Lanzer um quadro de neurose obsessiva com características que forneceriam uma visão valiosa sobre essa categoria de transtornos. A análise de Freud enfatizou a presença de pensamentos obsessivos associados a ratos, dos quais Lanzer descrevia um intenso medo de tortura, além de outros pensamentos de punição que apareciam como uma série de imagens mentais e impulsos.
Para a psicanálise, o caso Homem dos Ratos assumiu importância notável porque Freud, além de tratar o paciente, usou essa experiência clínica para desenvolver conceitos sobre a neurose obsessiva e o modo como desejos reprimidos e sentimentos ambivalentes se manifestam em forma de compulsões e obsessões. Freud identificou no caso elementos cruciais que passaram a caracterizar a neurose obsessiva, como o conflito entre desejos inconscientes e forças repressoras, a formação de sintomas e a luta entre impulsos de amor e ódio, de punição e reparação.
A obsessão do Homem dos Ratos com a ideia de ratos sendo usados para torturar pessoas próximas, especialmente sua noiva, é um excelente exemplo de como os desejos inconscientes, muitas vezes agressivos ou sexualmente carregados, podem se manifestar de forma distorcida e disfarçada nos sintomas obsessivos.
A fantasia em questão envolve uma cena cruel e surreal em que ratos, de uma maneira extremamente violenta, seriam usados para punir a pessoa que ele amava. Essa imagem é carregada de simbolismo e tem raízes profundas em conflitos inconscientes relacionados à agressão e à sexualidade.
O conflito entre os desejos agressivos e a moralidade
O Homem dos Ratos vive um conflito intenso entre dois aspectos do seu psiquismo: os seus impulsos agressivos e sexuais reprimidos (desejos que seriam “inaceitáveis” para ele, dadas as normas familiares e sociais internalizadas) e a moralidade imposta pelo seu superego, que tenta inibir esses desejos. O ego, por sua vez, fica em uma posição difícil, tentando lidar com esse conflito de forma saudável, mas sem sucesso, já que a repressão leva à formação de sintomas obsessivos.
No caso específico da tortura com ratos, podemos pensar que os ratos, no contexto da fantasia, simbolizam uma ameaça primitiva e animalesca — uma força de destruição e agressão, associada ao prazer inconsciente de dominar ou punir alguém (como no caso de sua noiva). Esses impulsos violentos poderiam ser, inconscientemente, relacionados ao desejo de controle ou mesmo a um desejo sexual reprimido. A ideia de que os ratos estariam fazendo a tortura tem um componente sádico, já que ele poderia estar projetando sobre os ratos a ação de punir alguém de forma cruel, algo que ele, no fundo, sente que seria incapaz de fazer conscientemente.
A noiva como “objeto” de punição
A escolha da noiva como alvo na fantasia também tem um significado importante. No contexto da psicanálise, a noiva pode ser vista como uma figura que representa tanto o amor e a afeição, quanto a sexualidade idealizada e reprimida. Ao desejar torturar sua noiva com ratos, o Homem dos Ratos está confrontando o conflito entre o amor e o desejo sexual que ele sente por ela, e o seu impulso agressivo de punir ou afastar essas partes do desejo que são consideradas “proibidas” ou “imorais” pelo superego.
A tortura com ratos, portanto, não é apenas um símbolo de punição física, mas também uma metáfora para a dinâmica interna do paciente: ele sente que seus impulsos sexuais ou agressivos são tão “feios” e “nocivos” que, se ele não pudesse controlá-los ou reprimi-los, ele próprio seria uma pessoa “horrível” ou moralmente corrompida. A noiva, como objeto de sua afeição, também simboliza a “inocência” que ele teme corromper com seus próprios desejos.
O papel da repressão
Essa fantasia obsessiva é uma tentativa da mente de lidar com o medo de ceder a impulsos inconscientes considerados inaceitáveis. O paciente não pode expressar abertamente sua agressividade ou sexualidade, então essas energias se transformam em obsessões — pensamentos repetitivos e incontroláveis que estão carregados de significados inconscientes. No caso da tortura com ratos, o símbolo desses animais se torna uma representação indireta de forças internas que não podem ser manifestadas diretamente. Por isso, ele recorre ao ritual obsessivo como uma forma de contornar esse medo, mas acaba preso a ele, já que o ritual não resolve o conflito de maneira definitiva.
A mente dividida
Freud vê o fenômeno das obsessões e compulsões como uma batalha entre o id, o ego e o superego. O id busca a satisfação de desejos primitivos e inconscientes, sem considerar as consequências. O superego, por outro lado, tenta controlar esses desejos com base em normas morais internalizadas. O ego tenta equilibrar essa tensão e lidar com os impulsos, mas, no caso de uma neurose obsessiva, o ego falha em encontrar um meio eficaz de resolução. Isso cria uma situação em que o paciente está preso em um ciclo de obsessões e rituais, como uma tentativa desesperada de gerenciar essa tensão sem conseguir realmente integrar ou resolver esses desejos.
A importância do sintoma como comunicação
Para Freud, os sintomas obsessivos não são meramente disfuncionais, mas também podem ser vistos como uma forma de comunicação do inconsciente. O sintoma, como a obsessão com os ratos e a tortura, é uma tentativa simbólica de representar o que não pode ser expresso de maneira direta ou aberta. O paciente pode não ter consciência dos conteúdos profundos de sua fantasia, mas esses conteúdos se manifestam através do sintoma, oferecendo pistas valiosas sobre os conflitos psíquicos subjacentes que precisam ser compreendidos e trabalhados no processo terapêutico.
2. Contexto Pessoal de Ernst Lanzer e Características da Neurose Obsessiva
Ernst Lanzer era um homem culto, proveniente de uma família severa e, segundo descrições de Freud, mostrava grande afeto por seu pai, mas também nutria sentimentos ambivalentes, especialmente após a morte dele. Lanzer sofria de pensamentos obsessivos envolvendo tortura com ratos, que refletiam uma dinâmica psicológica complexa relacionada a sentimentos de culpa e fantasias agressivas inconscientes.
Freud observou que os sintomas obsessivos de Lanzer seguiam características típicas da neurose obsessiva: pensamentos intrusivos, culpa excessiva e comportamento ritualístico. Um aspecto fundamental na neurose obsessiva é a ambivalência, que em Lanzer se manifestava nas oscilações entre admiração e ressentimento em relação ao pai, assim como nas fantasias de violência que ele temia tanto quanto desejava inconscientemente. Freud explicou que essas forças em conflito criavam sintomas obsessivos, onde o ritual e a compulsão atuavam como mecanismos de defesa para controlar sentimentos insuportáveis.
As características dos sintomas de Lanzer se alinham com o que a psicanálise denomina “formação reativa” e “anulação”, mecanismos onde o paciente age de forma contrária a seus desejos inconscientes para reprimir pensamentos ameaçadores. Os rituais obsessivos, que envolviam atos de repetição e controle, serviam para “neutralizar” os pensamentos de punição e as fantasias de agressão, tornando o caso um modelo exemplar para o estudo da neurose obsessiva.
A Influência da Sexualidade Infantil no Caso do Homem dos Ratos
A análise da sexualidade infantil na história do “Homem dos Ratos” é um ponto importante que Freud aborda em seu caso clínico, mostrando como experiências e fantasias infantis podem influenciar a vida psíquica de um adulto. Freud descreve a experiência do paciente, um advogado vienense que sofreu de obsessões severas, algumas delas envolvendo medos intensos e rituais compulsivos relacionados a ratos. Esse caso é conhecido por mostrar como traumas ou desejos infantis podem ser reprimidos e ressurgir mais tarde de forma obsessiva.
Na análise, o Homem dos Ratos relembra uma memória da infância aos cinco anos, onde ele expressa seu despertar sexual precoce e tenta compreender sua sexualidade de maneira confusa. Freud observa que a curiosidade sexual infantil e as primeiras experiências de excitação ou sensações corporais têm uma importância central no desenvolvimento psicológico. A criança ainda não compreende o que são essas sensações, mas elas fazem parte do desenvolvimento psicossexual que, segundo Freud, começa bem cedo, dividindo-se em estágios (oral, anal, fálico, latente e genital).
Aos cinco anos, como o Homem dos Ratos relata, já existia algum nível de interesse ou curiosidade sexual, embora sem entendimento claro. Freud teoriza que as fantasias e ansiedades ligadas a esses primeiros sentimentos e curiosidades podem ficar latentes ou ser reprimidas, mas influenciarão o inconsciente. Esses elementos se misturam a outras experiências, criando um conjunto de desejos, culpas, ansiedades, e medos que aparecem em forma de obsessões, como foi o caso do Homem dos Ratos. Essa análise é uma das fundações da teoria freudiana sobre a importância da infância e da sexualidade no desenvolvimento psicológico e nas neuroses adultas.
3. O Papel dos Ratos na Psicodinâmica do Paciente
A presença dos ratos na psicodinâmica de Lanzer é um dos aspectos mais marcantes e carregados de simbolismo no caso. O termo “Homem dos Ratos” deriva do medo e da obsessão de Lanzer com uma imagem mental de tortura envolvendo ratos, o que indicava, segundo Freud, um conteúdo inconsciente reprimido, fortemente associado a temas de punição e sexualidade. Freud argumentou que a imagem dos ratos era um símbolo poderoso que encapsulava tanto o medo quanto o desejo inconsciente de punição.
O símbolo dos ratos na neurose obsessiva de Lanzer pode ser interpretado através de um prisma de culpa e desejo punitivo. Freud destacou que, no inconsciente, os ratos funcionavam como representantes de ideias reprimidas de agressão e desejos proibidos, que o ego de Lanzer não conseguia aceitar conscientemente. Freud interpretou a obsessão com ratos como uma externalização dos impulsos destrutivos e sadomasoquistas que Lanzer temia dirigir aos entes queridos, especialmente ao pai.
Esse medo obsessivo e o temor de punição indicam a existência de um superego rígido e punitivo, que se manifesta como uma instância de autocensura para controlar os desejos inconscientes de Lanzer. No caso, os ratos representam o “retorno do recalcado”, ou seja, os conteúdos inconscientes que, ao serem reprimidos, retornam à consciência em uma forma simbólica e disfarçada.
4. Métodos e Técnicas Usadas por Freud no Tratamento de Lanzer
Freud utilizou, no tratamento de Lanzer, métodos como a associação livre e a análise dos sonhos, ferramentas que eram novas para a época e que permitiam explorar o inconsciente do paciente. A associação livre foi fundamental para que Lanzer trouxesse à tona memórias, pensamentos e associações que revelavam a dinâmica inconsciente por trás de seus sintomas obsessivos.
Freud encorajava Lanzer a relatar tudo o que viesse à mente, sem censura, mesmo que lhe parecesse irrelevante ou perturbador. Esse método permitiu a Freud acessar camadas profundas da psique de Lanzer, onde conflitos reprimidos e sentimentos ambivalentes emergiam de maneira simbólica. A análise dos sonhos também se mostrou essencial, já que os sonhos de Lanzer revelavam conteúdos latentes associados a desejos reprimidos, medos e culpas que estavam na base de sua neurose.
O uso da transferência, onde sentimentos e conflitos internos são projetados no analista, também foi um elemento chave. Freud percebeu que Lanzer transferia para ele sentimentos mistos de respeito e desconfiança, que refletem a relação ambivalente que mantinha com figuras de autoridade, em especial com o pai. Freud aproveitou essa transferência para explorar as ansiedades e defesas inconscientes de Lanzer, buscando dissolver os sintomas obsessivos.
5. Aspectos Teóricos: A Visão de Freud sobre Neurose Obsessiva
Freud definiu a neurose obsessiva como um tipo específico de conflito psíquico, no qual o ego está em constante combate contra impulsos inconscientes, usando uma série de mecanismos de defesa para manter esses impulsos à distância. Na neurose obsessiva, o paciente desenvolve rituais, pensamentos intrusivos e compulsões como uma maneira de lidar com sentimentos de culpa e fantasias proibidas.
A neurose obsessiva se caracteriza por uma luta entre o desejo e a repressão, onde o superego atua de maneira intensamente punitiva. No caso de Lanzer, Freud identificou que o paciente tentava, através de rituais e pensamentos obsessivos, “neutralizar” os impulsos agressivos que ele reprimia. Freud notou que essa repressão exacerbada leva ao aparecimento de sintomas obsessivos, como se o paciente tivesse que “pagar” pelo desejo proibido de uma maneira compulsiva e ritualizada.
Esse caso demonstra como os sintomas obsessivos servem de expressão simbólica para desejos inconscientes, onde o conflito entre o ego e o id é intermediado pelo superego. Freud interpretou que Lanzer não podia suportar seus impulsos de raiva e de punição, o que o levou a criar mecanismos obsessivos de controle, que constituíam uma tentativa de evitar tanto o desejo quanto o medo da punição.
6. Interpretações e Discussões Pós-Freudianas
Após Freud, outros analistas interpretaram o caso do Homem dos Ratos sob novas perspectivas. Melanie Klein, por exemplo, trouxe a ideia de posições esquizo-paranoides e depressivas, onde os impulsos agressivos são projetados no objeto para evitar a angústia de culpa. Já Jacques Lacan, com sua teoria do simbólico e do imaginário, interpreta os ratos como parte da estrutura do significante no inconsciente, representando a imposição da linguagem e da cultura sobre o desejo inconsciente.
Essas abordagens pós-freudianas enriqueceram o entendimento da neurose obsessiva, adicionando nuances ao conceito de repressão e transferência. Os desenvolvimentos pós-freudianos destacam como as relações com figuras parentais, temas de agressão e a estrutura do desejo inconsciente podem se manifestar e ser tratados na análise de pacientes com neurose obsessiva.
7. Lições para a Prática Clínica Atual
Para a prática clínica atual, o caso do Homem dos Ratos traz lições valiosas sobre como abordar a neurose obsessiva. A neurose obsessiva apresenta um desafio específico ao setting analítico, pois o paciente tende a resistir e a se engajar em rituais mesmo dentro da análise, projetando suas fantasias de controle e punição no próprio analista. Freud mostrou que a exploração cuidadosa da transferência e a paciência na escuta das associações livres podem levar a uma compreensão profunda e ao alívio dos sintomas obsessivos.
O caso também enfatiza a importância de explorar símbolos e de compreender a função do superego como instância punitiva que reprime desejos inconscientes. A análise psicanalítica, ao ajudar o paciente a dar sentido a esses impulsos e a lidar com a culpa e a repressão, permite que o paciente reconfigure suas compulsões e fantasias, favorecendo uma relação mais saudável com seus próprios desejos.
No caso desse paciente “Homem dos Ratos”, a obsessão em relação à “tortura com ratos” se liga a um desejo inconsciente de prazer, mas que é, ao mesmo tempo, profundamente reprimido por ser considerado inaceitável tanto para o ego quanto para o superego.
A obsessão do Homem dos Ratos gira em torno da ideia de que ratos torturados poderiam ser uma metáfora para a punição de seus próprios impulsos ou desejos inaceitáveis. Freud interpreta os ratos, nesse caso, como símbolos de algo que ele considerava um “objetivo de desejo” inconsciente, mas de caráter agressivo ou sexual, que de alguma forma seria associado ao prazer.
Conclusão
A neurose obsessiva, na visão da psicanálise freudiana, pode ser compreendida como um sintoma relacionado à repressão de desejos ou impulsos considerados inaceitáveis ou “indesejáveis” pela pessoa. Esses desejos ou pensamentos são reprimidos pela mente, ou seja, são afastados da consciência para evitar que a pessoa se sinta angustiada ou culpada por tê-los.
No entanto, essa repressão não elimina completamente os desejos ou pensamentos. Ao contrário, eles continuam a existir no inconsciente e se manifestam de maneira disfarçada, muitas vezes em forma de obsessões (pensamentos repetitivos) e compulsões (ações ou rituais repetitivos). A pessoa se vê então presa a esses rituais, que funcionam como uma tentativa de controlar ou evitar que os pensamentos “horríveis” venham à tona, ou para neutralizar a ansiedade gerada por esses pensamentos.
Esses rituais compulsivos são, portanto, uma forma de a mente lidar com o conflito interno: de um lado, há o desejo ou impulso reprimido, e de outro, a necessidade de mantê-lo fora da consciência. A pessoa tenta controlar esse desejo por meio de rituais que, paradoxalmente, acabam se tornando descontrolados. Eles não conseguem mais simplesmente cumprir a função de evitar o impulso, mas se tornam uma maneira de a mente “lutar” para manter a repressão e o equilíbrio.
Por exemplo, uma pessoa com neurose obsessiva pode sentir um impulso de agressão, mas, por sentir que esse impulso é moralmente inaceitável, reprime esse desejo. No entanto, para lidar com a ansiedade gerada por esse impulso reprimido, ela pode desenvolver rituais, como verificar repetidamente se a porta está trancada ou contar objetos de forma específica. Esses rituais são uma tentativa de neutralizar o medo ou a ansiedade gerada pela ideia do desejo inaceitável. No entanto, os rituais podem se tornar cada vez mais complexos e descontrolados, pois a mente tenta, de maneira desesperada, impedir que o desejo reprimido se manifeste.
Esse processo é uma das formas de entender como a neurose obsessiva pode ser vista como uma luta constante da psique para manter o equilíbrio diante de desejos que não podem ser expressos de maneira direta. A obsessão e a compulsão são, portanto, manifestações de uma repressão que se torna tão forte que a pessoa fica aprisionada em seus próprios rituais.
O caso Homem dos Ratos continua sendo um modelo importante para o estudo da neurose obsessiva e da dinâmica psíquica. Ele ilustra como os sintomas obsessivos, mesmo que dolorosos e difíceis de manejar, oferecem uma via de acesso à estrutura mais profunda da psique, onde conflitos, medos e fantasias reprimidos são encenados e podem, gradativamente, ser compreendidos e elaborados. Para estudantes e profissionais da psicanálise, este caso é uma fonte inesgotável de aprendizado e reflexão, reafirmando a importância de uma escuta atenta, de uma interpretação cuidadosa e da capacidade de lidar com a complexidade do inconsciente humano.
“O Homem dos Ratos: A Repressão de Desejos Sexuais e Agressivos na Neurose Obsessiva”:
Quando Freud afirma que os desejos inconscientes são de origem sexual e agressiva, ele está se referindo aos impulsos primitivos e instintivos que fazem parte do inconsciente humano, os quais, embora muitas vezes inaceitáveis ou perturbadores para o sujeito, influenciam profundamente seu comportamento e sua vida psíquica.
1. Desejos Sexuais Inconscientes
Na teoria psicanalítica de Freud, o “desejo sexual” não se limita apenas ao desejo sexual explícito ou à busca pelo prazer genital. Ele está associado a um conjunto de impulsos e fantasias que têm a ver com o prazer e a satisfação que podem surgir em diferentes formas, como a busca por afeto, aproximação, domínio e até formas mais sutis de prazer. O impulso sexual, ou “pulsão sexual” (libido), está ligado a todas as formas de desejo e satisfação de desejos que envolvem o corpo, a sexualidade e as relações intersubjetivas.
Para Freud, grande parte desses desejos não são acessíveis à consciência diretamente, principalmente porque muitas vezes se associam a questões de vergonha, culpa ou repressão moral. A repressão ocorre quando esses desejos são considerados inaceitáveis pelo “superego”, a instância psíquica que representa as normas sociais e os valores internalizados, como os ensinamentos familiares, religiosos e culturais.
Quando esses desejos são reprimidos, eles continuam a existir no inconsciente e podem se manifestar de forma indireta, como em “síntomas neuróticos” (como as obsessões e compulsões), em “sonhos” ou até em “ações aparentemente sem sentido”. Freud acreditava que os desejos sexuais reprimidos eram frequentemente a fonte de conflitos psíquicos e neuroses, pois a mente tentava lidar com a necessidade de satisfazer esses desejos sem que o sujeito pudesse fazê-lo de forma consciente ou aceitável.
2. Desejos Agressivos Inconscientes
Da mesma forma, Freud também postulava que os impulsos “agressivos” fazem parte da psique humana, sendo uma outra fonte de desejos inconscientes. A agressividade é entendida como um impulso instintivo, uma pulsão de destruição e de afirmação do próprio poder, que pode se manifestar de várias formas, como hostilidade, raiva, violência ou até atitudes mais sutis, como o sarcasmo ou o desprezo.
Esses impulsos agressivos são frequentemente reprimidos porque, assim como os desejos sexuais, são considerados “socialmente inaceitáveis” e podem ser prejudiciais, tanto para o sujeito quanto para os outros. O superego também entra em ação aqui, repreendendo essas manifestações agressivas e tentando controlá-las de acordo com as normas morais. No entanto, os desejos agressivos não desaparecem completamente e podem ser manifestados de maneira indireta e disfarçada, como nas “obsessões” (pensamentos repetitivos, que podem ter conotação agressiva ou de punição) ou “compulsões” (ações repetitivas que tentam evitar algo perigoso ou ameaçador, muitas vezes relacionados a um impulso agressivo).
Em neuroses obsessivas, como a do “Homem dos Ratos”, vemos como os desejos agressivos podem se infiltrar na mente de maneiras mais sutis e disfarçadas, como no caso da fantasia envolvendo ratos sendo usados para torturar alguém. Aqui, o desejo de agressão está reprimido e transformado em obsessões, onde o paciente não pode expressar sua raiva de forma direta, mas fica preso a pensamentos repetitivos e rituais que buscam controlar ou neutralizar essa raiva.
3. A Repressão e os Conflitos Psíquicos
A repressão desses desejos inconscientes (sexuais e agressivos) é um processo fundamental para entender como as neuroses e os sintomas obsessivos se formam. O “ego”, que é a parte da psique responsável pela percepção da realidade e pelas defesas, tenta conter esses desejos para evitar que eles se manifestem na consciência, uma vez que são considerados inaceitáveis, perturbadores ou prejudiciais.
No entanto, a repressão não apaga completamente esses impulsos. Eles continuam a existir no inconsciente, onde podem “irromper de forma disfarçada” como sintomas (obsessões, compulsões, sonhos ou até erros e lapsos), criando um ciclo de angústia e sofrimento para o sujeito. Esse processo de formação de sintomas é o que Freud explora nas suas teorias sobre a neurose, onde o sujeito é incapaz de integrar esses desejos reprimidos de maneira saudável, resultando em distúrbios psíquicos.
4. A Importância da Libido e da Pulsão de Morte
Freud também associou esses desejos inconscientes à ideia de duas pulsões fundamentais:
– A libido:, que está ligada ao desejo sexual e à busca de prazer (um impulso de vida).
– A pulsão de morte: (Thanatos), que está associada à destruição, agressividade e o impulso de morte (um impulso destrutivo, contrário à vida e à criação).
Essas duas pulsões opostas são constantemente conflitantes no interior do indivíduo. A repressão e a luta interna entre elas (entre a libido e a pulsão de morte) ajudam a explicar uma grande parte dos sintomas psíquicos e das neuroses.
Conclusão
Portanto, quando Freud fala que os desejos inconscientes são de origem sexual e agressiva, ele está se referindo a impulsos primitivos da psique humana, profundamente ligados ao prazer e ao poder, que são frequentemente reprimidos por serem considerados inaceitáveis pelo ego e superego. Esses impulsos reprimidos não desaparecem, mas se manifestam de formas disfarçadas e podem levar à formação de sintomas neuróticos, como obsessões e compulsões, onde o sujeito tenta lidar com os desejos reprimidos sem poder integrá-los de maneira consciente e saudável. A psicanálise, então, busca compreender e trazer à consciência esses conteúdos reprimidos, permitindo uma resolução mais saudável dos conflitos psíquicos.
O caso do Homem dos Ratos, como é conhecido em alguns textos de Freud, é um dos mais importantes estudos de caso na psicanálise, e está profundamente relacionado com a neurose obsessiva. Freud escreveu sobre o Homem dos Ratos e sobre a neurose obsessiva em vários de seus trabalhos, mais especificamente nos seguintes textos:
“O Homem dos Ratos” (1909)
Este é o caso clínico mais detalhado sobre o paciente conhecido como o Homem dos Ratos, onde Freud descreve a obsessão e os rituais obsessivos do paciente, incluindo a fantasia envolvendo a tortura com ratos. Este texto é essencial para entender como Freud aborda as neuroses obsessivas e as dinâmicas de repressão, simbolismo e os conflitos entre os impulsos inconscientes e a moralidade internalizada. No texto, Freud também faz uma análise detalhada da estrutura e da dinâmica das obsessões e das compulsões do paciente.
“Notas sobre o Neurose Obsessiva” (1909)
Neste escrito, Freud aprofunda a teoria da neurose obsessiva, discutindo suas características e as causas subjacentes, que ele liga ao mecanismo de repressão de desejos inaceitáveis e à formação de sintomas. O texto analisa como esses sintomas são manifestações de conflitos inconscientes não resolvidos e como o ego tenta lidar com esses impulsos de maneira disfuncional, levando ao aparecimento de obsessões e compulsões.
“Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1901)
Embora este texto não seja exclusivamente sobre a neurose obsessiva, ele oferece uma análise ampla de como os processos inconscientes afetam a vida cotidiana, incluindo os lapsos, esquecimentos e outras falhas da mente. Freud discute como os sintomas obsessivos podem se manifestar em ações cotidianas e como esses sintomas podem ser entendidos como uma tentativa da mente de lidar com desejos reprimidos.
“Introdução ao Narcisismo” (1914)
Neste texto, Freud expande a ideia de como o narcisismo pode influenciar as relações psíquicas e o desenvolvimento de sintomas neuróticos, incluindo as obsessões. Ele também toca na formação dos sintomas obsessivos e na relação entre o ego e o superego, que são aspectos centrais para o entendimento da neurose obsessiva.
“O Ego e o Id” (1923)
Embora não seja dedicado exclusivamente à neurose obsessiva, neste texto Freud faz uma análise importante das estruturas psíquicas, como o id, ego e superego, e como elas se relacionam na formação de sintomas neuróticos. A compreensão dessa dinâmica é essencial para a interpretação dos sintomas obsessivos e dos conflitos internos que geram as compulsões.
“Inibição, Sintoma e Angústia” (1926)
Neste texto, Freud explora os mecanismos de inibição e a formação de sintomas, incluindo as obsessões. Ele discute como os sintomas obsessivos surgem da repressão e da angústia, além de analisar a relação entre o ego e as suas defesas diante de impulsos internos conflitantes.
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