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O Sujeito Suposto Saber Segundo Lacan: O Sujeito Atribuído ao Analista no Processo Transferencial

O Sujeito Suposto Saber Segundo Lacan: O Sujeito Atribuído ao Analista no Processo Transferencial

1. Introdução

A psicanálise, desde suas origens freudianas, sempre foi marcada pela complexidade dos conceitos que emergem no campo clínico. Um dos pilares da prática psicanalítica é o fenômeno da transferência, um conceito central na obra de Freud, mas que ganha contornos ainda mais elaborados na teoria de Jacques Lacan. Lacan, que revisita os conceitos freudianos à luz de suas formulações, vai além ao propor o conceito de Sujeito Suposto Saber (SSS), uma noção intricada que se entrelaça com a transferência e o papel do analista dentro do processo analítico.

Para Lacan, o processo transferencial vai além de uma simples repetição de desejos e afetos. Na sua visão, o analista ocupa um lugar privilegiado, sendo posicionado pelo analisando como detentor de um saber oculto, o que Lacan denomina “Sujeito Suposto Saber”. Esse saber não é necessariamente um conhecimento objetivo, mas uma suposição que emerge do inconsciente do analisando, estabelecendo o quadro transferencial.

Compreender a função do Sujeito Suposto Saber é fundamental para qualquer psicanalista, seja ele iniciante ou experiente. Esse conceito ilumina questões centrais do manejo clínico, influenciando diretamente as dinâmicas transferenciais e o desenrolar do tratamento. Neste texto, vamos explorar os fundamentos teóricos desse conceito, sua importância no processo transferencial, o papel do analista e as implicações práticas na clínica contemporânea.

2. Fundamentos Teóricos

Definição do Conceito de Sujeito Suposto Saber

Jacques Lacan introduz o conceito de Sujeito Suposto Saber em seu seminário “O Avesso da Psicanálise” (1969-1970), mas o tema já estava presente em suas formulações anteriores. Para Lacan, o sujeito suposto saber é uma construção imaginária que se estrutura no momento em que a transferência é instaurada. Ele parte da premissa de que o analisando, ao entrar em análise, atribui ao analista o lugar de um saber que pode desvendar os enigmas do seu inconsciente.

Esse saber, no entanto, não é o saber manifesto, ou seja, o conhecimento teórico que o analista tem sobre a psicanálise, mas um saber inconsciente, que o sujeito acredita estar nas mãos do analista. Lacan enfatiza que o analista, ao ocupar o lugar do SSS, está lidando com um saber que ele mesmo não possui, mas que lhe é atribuído pelo desejo do analisando.

Assim, o conceito de Sujeito Suposto Saber está diretamente ligado à função simbólica da linguagem e à estrutura do inconsciente. O inconsciente, como “estruturado como uma linguagem”, segundo Lacan, busca esse saber no campo do Outro, e o analista, ao operar no registro da transferência, torna-se aquele que supostamente detém o saber.

O Papel do Saber na Estruturação da Transferência

Na transferência, a suposição de um saber no analista é o que permite que o processo analítico se desenvolva. Desde Freud, a transferência foi compreendida como a repetição de afetos e desejos inconscientes dirigidos ao analista, mas Lacan complexifica essa noção ao introduzir a ideia de que, além dos afetos, há uma suposição de saber envolvida. O analista, portanto, não é apenas o destinatário de afetos, mas também aquele que é colocado numa posição de saber pelo analisando.

Esse saber, que o analisando supõe que o analista tem, não é um saber qualquer. Ele é o saber sobre a verdade do desejo, sobre os significantes que constituem o sujeito. É essa suposição de que o analista pode revelar o que está escondido no inconsciente que faz com que o analisando retorne, sessão após sessão, tentando articular e compreender o seu sintoma.

O Sujeito Suposto Saber, nesse sentido, é a engrenagem que põe a transferência em movimento. O que está em jogo aqui não é a simples repetição, mas o desejo de saber. E o saber que o analisando busca não é um saber comum, mas sim o saber inconsciente, aquele que está encoberto pelas resistências, lapsos, atos falhos e pelos sintomas.

Processo Transferencial

A transferência, enquanto fenômeno clínico, é um dos mais potentes instrumentos da psicanálise, mas também um dos mais complexos. Desde Freud, sabemos que a transferência é uma repetição de afetos do passado em relação à figura do analista. Mas Lacan destaca que o que se repete não é apenas o afeto, mas também a estrutura significante que compõe o sujeito.

No setting analítico, a transferência não é um processo linear, e sua formação envolve diversas camadas. O sujeito, ao começar a análise, atribui ao analista uma posição de saber, e é a partir dessa atribuição inconsciente que a transferência se estrutura. O analista é visto como o detentor de um saber que, em última instância, o analisando acredita poder levá-lo a desvendar seus segredos mais íntimos.

Aqui, entra em cena o conceito de Sujeito Suposto Saber. O analista, ao ser colocado nessa posição, não precisa afirmar ou negar o saber que lhe é atribuído. Na verdade, a neutralidade do analista em relação a essa suposição é essencial para o andamento da análise. Se o analista se apropriar desse lugar de saber, ele corre o risco de interromper o processo analítico e se posicionar como um “mestre” que dá respostas, o que vai contra o fundamento da psicanálise.

A atribuição de saber ao analista é, portanto, uma operação inconsciente do analisando. O saber que é atribuído não é algo objetivo, mas uma construção transferencial, que funciona como um motor para o desejo de saber do próprio sujeito. Essa operação inconsciente permite que o sujeito se engaje no processo de fala, buscando, por meio das palavras, alcançar o que está encoberto pelo inconsciente.

3. O Papel do Analista no Processo Transferencial

Analista como Sujeito Suposto Saber

No setting analítico, o analista ocupa a posição de Sujeito Suposto Saber. Esta posição não é apenas teórica, mas tem implicações profundas no manejo clínico e na maneira como o tratamento se desenrola. Quando o sujeito supõe que o analista sabe algo sobre ele que ele próprio desconhece, ele se permite confiar no processo analítico, projetando sobre o analista suas fantasias, desejos e expectativas.

No entanto, essa posição de saber não é, como já destacado, um saber real. O analista não possui o saber do sujeito, mas a suposição desse saber é o que estrutura a transferência. O papel do analista, portanto, é ocupar esse lugar de maneira ética, sem cair na armadilha de responder a essa demanda de maneira direta.

Lacan adverte sobre a importância de o analista manter sua posição de “não-saber”. Isso significa que o analista não deve alimentar a ilusão de que possui respostas para as questões inconscientes do analisando. Ao contrário, ele deve permitir que o sujeito explore seu próprio saber inconsciente. Isso é feito, em grande parte, por meio do silêncio estratégico do analista, que deixa espaço para que o sujeito projete e elabore suas questões internas.

Desdobramentos Clínicos do Sujeito Suposto Saber

O SSS pode ser um facilitador do processo terapêutico na medida em que permite ao sujeito confrontar seu desejo. Ao supor que o analista sabe o que está no seu inconsciente, o sujeito se sente encorajado a falar, a associar livremente, a expressar seus conflitos e fantasias.

No entanto, é crucial que o analista saiba quando dissolver essa suposição. O SSS não pode permanecer indefinidamente. Se a análise for eficaz, chegará um ponto em que o sujeito deve perceber que o saber que ele buscava não está no analista, mas nele mesmo. Esse é o momento da queda do SSS, um evento que marca um ponto de virada na análise.

A queda do Sujeito Suposto Saber não é um fracasso do processo analítico, mas um sinal de progresso. Ao reconhecer que o analista não detém o saber que ele buscava, o sujeito é confrontado com sua própria responsabilidade em relação ao seu desejo. Isso abre caminho para a verdadeira transformação subjetiva.

4. Sujeito Suposto Saber e a Subversão do Saber

O Momento da Queda do Sujeito Suposto Saber

O momento em que o Sujeito Suposto Saber cai é um ponto crucial no processo analítico. A queda do SSS ocorre quando o analisando percebe que o analista não possui o saber que ele acreditava que tivesse. Esse momento é, muitas vezes, acompanhado de frustração, raiva ou decepção, mas é também um momento de grande potencial transformador.

Ao perceber que o analista não detém o saber, o sujeito é confrontado com a verdade do seu próprio desejo. O saber que ele buscava no analista nunca esteve fora dele, mas sempre foi uma produção do seu próprio inconsciente.

Esse ponto de virada, no qual o analisando se depara com a ilusão de que o analista possuía o saber sobre o seu desejo, é um dos momentos mais complexos e, ao mesmo tempo, decisivos da análise. Ao cair o Sujeito Suposto Saber, o sujeito é forçado a abandonar a ideia de que uma autoridade externa pode lhe fornecer todas as respostas. Ele percebe que o verdadeiro saber é uma construção interna, e que, embora o analista tenha facilitado o processo, ele não pode fornecer diretamente a verdade que o analisando busca.

Essa “subversão do saber” leva a uma transformação no papel do sujeito na análise. Ele passa de alguém que demanda saber do analista para alguém que se responsabiliza por sua própria subjetividade e pelas formações de seu inconsciente. A queda do SSS pode representar, assim, o rompimento de uma dependência simbólica com o analista e a emergência de uma maior autonomia psíquica.

Efeitos da Desidentificação do Analista como Sujeito Suposto Saber

Com a queda do SSS, o analisando passa a perceber que o lugar que o analista ocupava era, em grande parte, uma construção baseada em suas fantasias e projeções. Lacan sugere que esse momento é crucial porque é nesse ponto que o sujeito pode se confrontar de maneira mais direta com a falta que o constitui. Em vez de buscar no analista uma solução para seus dilemas inconscientes, ele reconhece a incompletude do Outro (do analista) e, por extensão, a sua própria falta estrutural.

Essa desidentificação do analista como Sujeito Suposto Saber permite que o analisando faça avanços importantes no processo de subjetivação. Agora, ele pode começar a explorar o seu desejo a partir de uma nova perspectiva, em que a responsabilidade por esse desejo não é mais atribuída a uma figura de autoridade externa, mas reconhecida como algo intrínseco à sua própria constituição enquanto sujeito. Isso se conecta ao conceito lacaniano de que o desejo é o desejo do Outro, mas que a busca por esse desejo deve, em última instância, ser sustentada pelo próprio sujeito.

5. Implicações Práticas no Trabalho Clínico

Como Lidar com o Sujeito Suposto Saber em Diferentes Fases do Tratamento

No manejo clínico, a noção de Sujeito Suposto Saber não pode ser tratada como uma entidade fixa. Em vez disso, ela deve ser observada como um fenômeno dinâmico que muda ao longo do tratamento, especialmente conforme o sujeito avança em seu processo de análise. Desde o início, o analista precisa estar atento à forma como o SSS surge e é articulado pelo analisando, pois isso determinará o tipo de intervenção que será feita.

Na fase inicial do tratamento, o analista geralmente ocupa uma posição em que a suposição de saber está mais acentuada. O sujeito vê o analista como alguém que pode decifrar seus sintomas, revelar o conteúdo reprimido e, eventualmente, “curá-lo”. O analista precisa ser cuidadoso para não alimentar essa expectativa de maneira literal, deixando claro que sua função é mais de facilitador do processo analítico do que de mestre ou detentor de respostas prontas.

Conforme o tratamento avança, o analista pode intervir para que o analisando comece a questionar a própria suposição de saber que foi colocada sobre ele. Isso deve ser feito com sensibilidade, pois a desilusão prematura do SSS pode levar a resistências, rupturas ou a um impasse na análise. No entanto, à medida que o sujeito ganha mais consciência de sua própria estrutura de desejo e de seu sintoma, o analista pode encorajar uma reflexão mais aprofundada sobre o papel que o SSS desempenhou ao longo do tratamento.

Estratégias para Identificar e Manejar o Sujeito Suposto Saber de Maneira Ética e Eficaz

Gerir o Sujeito Suposto Saber com ética implica, acima de tudo, reconhecer que o analista não deve abusar dessa posição de saber suposto para alimentar o narcisismo ou a dependência do analisando. Lacan enfatiza a importância de o analista manter-se como “suporte do desejo” do analisando, sem cair na tentação de fornecer respostas fáceis ou de se colocar como “sujeito da verdade”.

Uma estratégia eficaz para lidar com o SSS é o uso do silêncio analítico. O silêncio, quando bem manejado, oferece ao analisando espaço para projetar suas suposições e desenvolver suas associações livres sem a interferência direta do analista. No entanto, o silêncio deve ser utilizado com cuidado, pois pode ser interpretado como desinteresse ou falta de empatia, dependendo da estrutura psíquica do analisando.

Outra técnica útil é a interpretação pontual, em que o analista intervém de maneira precisa para destacar um aspecto particular do discurso do analisando, sem fornecer uma explicação totalizadora. Isso reforça a ideia de que o saber sobre o sintoma não está “pronto” no analista, mas deve ser construído ao longo do processo analítico.

Além disso, é crucial que o analista esteja atento aos fenômenos de resistência. Quando o Sujeito Suposto Saber é ameaçado, o analisando pode resistir, seja por meio de silêncio, irritação ou evasão. O manejo dessas resistências faz parte do trabalho ético do analista, que deve ajudar o sujeito a elaborar essas defesas sem impor uma visão autoritária.

Exemplos de Situações Clínicas Comuns Onde o SSS se Manifesta

– Analisando que exige respostas diretas: Em muitos casos, o analisando pode, em meio à angústia ou frustração, exigir que o analista forneça respostas ou conselhos sobre questões de sua vida cotidiana. Essa demanda direta por um saber é uma manifestação clara do SSS. O analista, ao invés de fornecer uma solução, pode devolver a questão ao sujeito, permitindo que ele reflita sobre a origem e o significado de sua demanda.

– Analisando que idealiza o analista: Outro exemplo comum é a idealização do analista como uma figura infalível. O analisando pode acreditar que o analista tem todas as respostas, ou que, através da análise, ele poderá atingir uma espécie de “verdade absoluta” sobre si mesmo. Aqui, o analista deve ter cuidado para não reforçar essa idealização e, eventualmente, introduzir intervenções que levem o sujeito a questionar essa suposição.

– Analisando que reage com frustração à não-resposta do analista: Um terceiro exemplo é quando o analista não oferece a resposta que o sujeito espera e, em vez disso, responde com uma interpretação ou silêncio. Nesse caso, o analisando pode se frustrar, pois sua expectativa de que o analista detém o saber é posta em xeque. O manejo desse tipo de situação é delicado, pois pode desencadear uma resistência significativa, mas também pode abrir espaço para que o sujeito reconheça a sua própria participação na criação do SSS.

6. Conclusão

O conceito de Sujeito Suposto Saber é central na teoria psicanalítica de Jacques Lacan e possui profundas implicações clínicas. O SSS é uma engrenagem fundamental que sustenta o processo transferencial, permitindo que o sujeito entre em análise e busque, através do analista, respostas para os enigmas do seu inconsciente. No entanto, o analista deve estar consciente de que esse saber é uma suposição e que seu papel não é fornecer respostas, mas facilitar o desvelamento das questões inconscientes do sujeito.

A responsabilidade do analista no manejo da transferência e do Sujeito Suposto Saber é imensa, exigindo um posicionamento ético e uma constante reflexão sobre sua prática. O analista deve saber quando sustentar o lugar do SSS e quando facilitar sua queda, permitindo que o analisando avance no processo de subjetivação e assuma a responsabilidade por seu próprio desejo.

Em última instância, o Sujeito Suposto Saber não é apenas um conceito teórico, mas um instrumento clínico que orienta o manejo da transferência e a dinâmica do processo analítico. A psicanálise, enquanto prática e teoria, se beneficia enormemente da compreensão desse conceito, pois ele lança luz sobre o funcionamento inconsciente e o papel do analista como facilitador, e não como detentor da verdade.

Seminários de Lacan que falam sobre o SSS e o papel do analista no processo transferencial:

1. Seminário VI: O desejo e sua interpretação (1958-1959)

– Este seminário aborda a questão do desejo e da transferência, estabelecendo a relação entre o analista e o analisando e a função do saber nesse contexto.

2. Seminário VII: A ética da psicanálise (1959-1960)

– Lacan discute a ética no manejo da transferência e a posição do analista como um sujeito que, mesmo não possuindo o saber, deve agir eticamente dentro do setting analítico.

3. Seminário XI: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964)

– Neste seminário, Lacan introduz a noção de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, aprofundando a compreensão do SSS como uma suposição fundamental no processo analítico.

4. Seminário XII: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1964-1965)

– Aqui, Lacan discute a dinâmica do eu e a transferência, ressaltando como a atribuição de saber ao analista pode afetar a relação analítica.

5. Seminário XIII: O objeto da psicanálise (1966)

– Lacan explora o conceito de objeto a, enfatizando como a transferência e o SSS estão relacionados às demandas e desejos do analisando.

6. Seminário XVII: O Avesso da Psicanálise (1969-1970)

– Neste seminário, Lacan formula explicitamente o conceito de Sujeito Suposto Saber, abordando a posição do analista e a função do saber no processo transferencial.

7. Seminário XX: Mais além do princípio do prazer (1972-1973)

– Lacan discute as implicações do SSS no tratamento da angústia e na dinâmica do desejo, ressaltando a importância do analista como suporte do desejo do analisando.

8. Seminário XXI: Os não duplos (1973-1974)

– Este seminário explora a transferência de maneira mais dinâmica e suas nuances, abordando o papel do SSS na construção da subjetividade do analisando.

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