1. Introdução
Definição Geral de Neurose e Psicose
Dentro da psicanálise, os termos “neurose” e “psicose” representam dois modos fundamentais de organização psíquica, cada um com características próprias que influenciam profundamente a maneira como o indivíduo percebe, reage e se relaciona com o mundo ao seu redor. As neuroses são comumente associadas a distúrbios da personalidade e do comportamento que, embora perturbadores e causadores de sofrimento, permitem um certo grau de contato com a realidade externa. Em contrapartida, as psicoses caracterizam-se por uma ruptura significativa com a realidade, onde o indivíduo passa a vivenciar experiências alucinatórias ou delirantes, frequentemente desprovidas de qualquer senso de lógica ou coerência com a realidade consensual.
Essas condições têm sido objeto de estudo desde os primórdios da psicanálise, oferecendo reflexões valiosas não apenas sobre a patologia psíquica, mas também sobre a estrutura e o funcionamento da mente humana. Freud e Lacan, os dois principais expoentes da psicanálise, contribuíram significativamente para a compreensão das neuroses e psicoses, embora tenham abordado essas condições a partir de perspectivas teóricas distintas.
Importância do Estudo para Psicanalistas
Para os psicanalistas, o estudo das neuroses e psicoses é crucial, pois essas condições não são apenas frequentes na clínica, mas também revelam aspectos fundamentais da estrutura psíquica de todos os sujeitos. A distinção entre neurose e psicose é essencial para a prática clínica, uma vez que as abordagens terapêuticas e as intervenções variam significativamente de acordo com a organização psíquica predominante no paciente.
Compreender as nuances dessas condições permite ao psicanalista identificar as manifestações específicas de cada uma, estabelecer um diagnóstico preciso e, consequentemente, desenvolver uma estratégia terapêutica adequada. Além disso, o estudo aprofundado das neuroses e psicoses enriquece o repertório teórico e prático do analista, contribuindo para o seu desenvolvimento contínuo enquanto profissional.
2. Conceito de Neurose
Origem do Termo e Desenvolvimento na Psicanálise
O termo “neurose” foi introduzido pela primeira vez no século XVIII por William Cullen, um médico escocês, para descrever uma série de distúrbios funcionais do sistema nervoso que não apresentavam uma base orgânica identificável. No entanto, foi com Freud que o conceito de neurose ganhou uma dimensão psicanalítica, sendo central para o desenvolvimento de sua teoria do inconsciente.
A neurose, na psicanálise, é entendida como uma estrutura psíquica que se forma a partir de conflitos inconscientes, principalmente relacionados à repressão de desejos e pulsões. Esses conflitos originam-se, em grande parte, durante a infância e estão profundamente ligados às experiências e vivências do sujeito em relação ao outro, à família, e às normas sociais. O inconsciente reprimido, então, desempenha um papel crucial na formação e manifestação dos sintomas neuróticos.
O Inconsciente Reprimido e a Manifestação em Regras
Freud postulou que o inconsciente é o reservatório de desejos, impulsos e memórias que foram reprimidos porque são considerados inaceitáveis ou ameaçadores pelo ego/Eu consciente. Esses desejos reprimidos, no entanto, não desaparecem; eles continuam a influenciar o comportamento e o pensamento do indivíduo, emergindo de forma distorcida através de sintomas neuróticos, sonhos, atos falhos, e outras manifestações simbólicas.
Na neurose, o inconsciente reprimido pode se manifestar na forma de regras internas rígidas e compulsões que direcionam o comportamento do indivíduo. Essas regras são, em essência, tentativas do ego/Eu de controlar e conter os desejos reprimidos, evitando que eles entrem em contato com a consciência. Por exemplo, uma pessoa com neurose obsessiva-compulsiva pode criar rituais complexos e regras rígidas como uma forma de manter à distância os pensamentos ou impulsos inaceitáveis que, de outra forma, provocariam ansiedade.
Essas regras e compulsões têm uma função defensiva, mas também representam uma tentativa de domar o retorno do recalcado – ou seja, os desejos e pulsões reprimidos que tentam se manifestar. Assim, a neurose pode ser vista como uma luta constante entre o desejo inconsciente e as defesas conscientes que buscam mantê-lo sob controle.
Direcionamento da Libido
A libido, na teoria freudiana, é a energia sexual que impulsiona grande parte do comportamento humano. Na neurose, a libido frequentemente é desviada ou redirecionada para objetos ou atividades que são mais socialmente aceitáveis ou menos ameaçadores para o ego/Eu consciente. Esse processo é conhecido como “sublimação”, onde a energia libidinal é canalizada para atividades culturais, artísticas, intelectuais ou outras que estejam em conformidade com as normas sociais.
No entanto, quando a sublimação não é possível ou é insuficiente, a libido pode se expressar de maneira sintomática, resultando em sintomas neuróticos. Por exemplo, um indivíduo com fortes desejos sexuais reprimidos pode desenvolver uma fobia relacionada à sexualidade, onde a libido é desviada para um medo irracional, mantendo o desejo inconsciente fora do alcance da consciência.
Pulsão e Gozo
As pulsões, para Freud, são forças internas que buscam satisfação através de objetos ou ações. As principais pulsões são as de vida (Eros) e as de morte (Thanatos). Na neurose, as pulsões são frequentemente reprimidas e, assim, encontram modos indiretos de se satisfazerem. Por exemplo, uma pulsão agressiva reprimida pode se manifestar através de um comportamento passivo-agressivo ou em sintomas de auto-sabotagem.
Lacan introduz o conceito de “gozo” (jouissance) para descrever um tipo de prazer que vai além do princípio do prazer freudiano, envolvendo uma dimensão de sofrimento ou transgressão. Na neurose, o gozo pode se manifestar de maneiras paradoxais, onde o sujeito experimenta prazer em seu próprio sofrimento ou na manutenção de seus sintomas neuróticos. O gozo, nesse sentido, é algo que excede o prazer, envolvendo uma repetição compulsiva que pode ser autodestrutiva.
O gozo também está relacionado à relação do sujeito com o grande Outro (o Outro simbólico da linguagem e da lei). Na neurose, o gozo é muitas vezes ligado à interdição, onde o sujeito obtém um prazer perverso em sua própria frustração ou na observância de regras que o impedem de alcançar o objeto de seu desejo.
Na estrutura psíquica neurótica, o conceito de gozo (jouissance), tal como articulado por Lacan, desempenha um papel central na forma como o sujeito busca satisfação e lida com seus desejos. O gozo, diferentemente do prazer, é uma experiência que muitas vezes vai além da satisfação simples, podendo envolver um paradoxo onde o sofrimento e a frustração estão presentes.
O Gozo e a Busca pela Felicidade
Para o neurótico, há uma crença recorrente de que alcançar ou possuir algo específico trará a felicidade plena. Essa busca se organiza em torno de um objeto que o neurótico fantasia como sendo a chave para sua realização. Este objeto é denominado por Lacan como o “objeto a”, um objeto que simboliza a falta fundamental que o sujeito tenta preencher.
No entanto, essa busca é intrinsecamente frustrada, pois o gozo não é realmente encontrado no objeto, mas no desejo constante de alcançar algo que sempre escapa. O neurótico, então, fica preso em um ciclo de querer e, ao mesmo tempo, evitar a realização total, pois a satisfação plena destruiria a estrutura do seu desejo e do seu gozo.
A Ilusão do Objeto como Fonte de Felicidade
O neurótico acredita que ao conquistar ou possuir o objeto desejado – seja ele material, relacional ou simbólico – alcançará a felicidade. Contudo, essa felicidade é ilusória, pois o objeto nunca consegue satisfazer completamente o desejo inconsciente. Essa insatisfação perpétua é parte do que Lacan descreve como gozo: um prazer que está sempre misturado com dor, frustração ou perda.
Por exemplo, um neurótico pode acreditar que ter um relacionamento amoroso perfeito, alcançar uma posição de poder ou acumular riquezas irá, finalmente, trazer-lhe a felicidade. Porém, mesmo quando esses objetivos são alcançados, a sensação de falta persiste, e o sujeito se vê compelido a buscar novas metas ou a duvidar daquilo que conseguiu, mantendo-se em um estado contínuo de insatisfação.
Gozo e o Mecanismo de Defesa
O gozo também está vinculado aos mecanismos de defesa do neurótico. Para evitar o confronto direto com o vazio que o objeto desejado realmente representa, o neurótico pode se engajar em comportamentos compulsivos, obsessivos ou repetitivos, que lhe proporcionam um certo tipo de gozo, ainda que disfarçado de sofrimento ou angústia.
Essa dinâmica reflete a complexidade do gozo na neurose: ele não é apenas um prazer derivado da satisfação, mas também um prazer obtido através da manutenção do desejo insatisfeito. O gozo, então, não reside no objeto em si, mas na própria busca, na repetição da tentativa de alcançar o impossível.
Resumo das Características Principais de sintomas Neuróticos
As neuroses são caracterizadas por uma série de sintomas que variam de pessoa para pessoa, mas que têm em comum a presença de um conflito intrapsíquico que gera ansiedade. Entre as características mais comuns das neuroses estão:
– Ansiedade: Sentimento persistente de apreensão ou medo, frequentemente relacionado a situações específicas, mas que pode se generalizar.
– Obssessões: Pensamentos ou ideias intrusivas e repetitivas que causam desconforto e angústia.
– Fobias: Medo intenso e irracional de objetos ou situações específicas, que leva à evitação.
– Conflitos Internos: Luta constante entre impulsos e as forças repressoras do ego, resultando em tensão e sofrimento.
– Mecanismos de Defesa: Ferramentas psíquicas inconscientes utilizadas pelo ego para lidar com a ansiedade e o conflito interno, como a repressão, negação, projeção, racionalização, entre outros.
Principais Tipos de Neurose
Dentro da psicanálise, as neuroses são classificadas em diferentes tipos, cada uma com suas características e manifestações específicas:
– Neurose Histérica: Caracterizada por sintomas somáticos que não têm uma causa física aparente e são resultado de conflitos psíquicos inconscientes. A conversão de conflitos psíquicos em sintomas físicos é uma marca registrada dessa neurose.
– Neurose Obsessivo-Compulsiva: Manifesta-se por meio de obsessões e compulsões, onde o indivíduo sente a necessidade de realizar certos atos repetidamente para aliviar a ansiedade provocada por pensamentos intrusivos.
– Neurose Fóbica: Caracterizada pelo medo irracional e persistente de determinados objetos ou situações, levando o indivíduo a evitá-los para prevenir a ansiedade.
Visão de Freud e Lacan
Freud foi o pioneiro na descrição das neuroses, identificando-as como resultantes de conflitos entre o desejo e a repressão, que se manifestam através de sintomas que simbolizam esses conflitos. Em “As Neuropsicoses de Defesa” (1894) e em outras obras, Freud explora como as neuroses surgem da tentativa do ego de manter à distância os conteúdos inaceitáveis que ameaçam invadir a consciência.
Lacan, por outro lado, reinterpreta a neurose à luz de sua teoria do simbólico, imaginário e real. Para Lacan, a neurose está profundamente enraizada na estrutura do desejo e na relação do sujeito com o Outro (o grande Outro do simbólico). Ele vê a neurose como uma questão de significação, onde o sujeito está preso em um mal-entendido estrutural com o Outro, o que resulta em sintomas que refletem esse mal-entendido.
3. Conceito de Psicose
Origem do Termo e Desenvolvimento na Psicanálise
O termo “psicose” tem suas origens na psiquiatria do século XIX e foi usado para descrever uma série de distúrbios mentais graves, caracterizados por uma perda de contato com a realidade. A psicanálise, porém, ofereceu uma nova compreensão da psicose, investigando-a não apenas como uma condição clínica, mas como uma expressão de uma organização psíquica específica.
A psicose, dentro da teoria psicanalítica, é uma estrutura psíquica marcada por uma ruptura profunda entre o sujeito e a realidade. Diferentemente da neurose, onde o ego/Eu mantém algum grau de controle sobre os desejos reprimidos e tenta lidar com os conflitos internos, na psicose há uma falha na estruturação psíquica que impede a integração do sujeito na ordem simbólica, resultando em um distanciamento radical da realidade.
O Inconsciente na Psicose
Na psicose, o inconsciente se manifesta de forma direta e não mediada, diferentemente do que ocorre na neurose, onde os conteúdos reprimidos do inconsciente são distorcidos e transformados em sintomas. O psicótico, ao contrário, não reprime o desejo de maneira eficaz; em vez disso, ele é invadido por esse desejo de forma crua, muitas vezes na forma de alucinações e delírios. Essas manifestações representam um retorno brutal do que foi “foracluído” (um termo lacaniano que se refere à exclusão radical de um significante fundamental da ordem simbólica).
Lacan argumenta que, na psicose, ocorre a foraclusão do Nome-do-Pai, um significante crucial para a entrada do sujeito na ordem simbólica e para a organização do seu mundo psíquico. Essa ausência resulta em uma falha na estruturação do simbólico, permitindo que os elementos do real – normalmente organizados e filtrados pela linguagem e pela cultura – invadam a psique do sujeito psicótico sem as barreiras protetoras que o ego/Eu deveria fornecer.
Formação do Ego/Eu e Supereu na Psicose
A formação do ego na psicose é profundamente afetada pela ausência ou falha do Nome-do-Pai. Na teoria lacaniana, o Nome-do-Pai é responsável por instaurar a Lei e mediar a relação do sujeito com o desejo. Sem essa mediação, o ego do psicótico é frágil, fragmentado e incapaz de sustentar uma coesão interna.
O ego no sujeito psicótico é frequentemente dominado por uma fusão com o real, onde não há uma distinção clara entre o eu e o outro, entre o interno e o externo. Isso se manifesta em fenômenos como a perda de identidade ou o sentido de invasão por forças externas, que o psicótico pode interpretar como alucinações ou delírios de influência.
O supereu, que na neurose atua como um agente da moralidade e da repressão, também se apresenta de maneira distorcida na psicose. Em alguns casos, ele pode assumir uma forma persecutória, impondo demandas impossíveis e se manifestando como vozes alucinatórias ou como uma sensação de culpa esmagadora sem uma origem clara.
Em outras situações, pode haver uma completa ausência de supereu, onde as normas sociais e morais não têm qualquer impacto sobre o sujeito, levando a comportamentos que parecem desprovidos de qualquer autocensura ou consideração ética.
Direcionamento da Libido
Na psicose, o direcionamento da libido é caótico e desorganizado, refletindo a desestruturação psíquica. A libido não encontra um caminho organizado através do simbólico e, por isso, pode se fixar em objetos inapropriados ou inexistentes, como alucinações ou delírios. Em vez de ser canalizada para objetos socialmente aceitáveis ou sublimada, como na neurose, a libido na psicose pode se perder em investidas infrutíferas, contribuindo para a desconexão com a realidade.
Por exemplo, em casos de erotomania (um tipo de delírio psicótico), a libido é dirigida de forma intensa e distorcida a um objeto amoroso imaginário ou real, mas sem a mediação da realidade objetiva ou da reciprocidade. A ausência de uma estrutura simbólica robusta faz com que essa libido se expresse de maneira desordenada e frequentemente destrutiva para o próprio sujeito.
Pulsão e Gozo na Psicose
As pulsões, na psicose, operam de maneira igualmente desordenada. Freud postulou que, na psicose, o ego é fragmentado e incapaz de lidar com as pulsões de maneira controlada. As pulsões de morte (Thanatos), por exemplo, podem se manifestar de forma direta e devastadora, sem a modulação que normalmente seria proporcionada pelo ego ou pelo supereu. Isso pode resultar em comportamentos autodestrutivos, agressivos ou em uma apatia profunda, onde o sujeito parece desconectado de qualquer busca de prazer ou satisfação.
Lacan introduz o conceito de “gozo” (jouissance) como um tipo de prazer que vai além do princípio do prazer e que, na psicose, se manifesta de maneira perturbadora. Na neurose, o gozo é regulado pelas leis simbólicas e, muitas vezes, envolve uma relação complexa de prazer e culpa. No entanto, na psicose, o gozo pode ser experimentado de maneira pura, sem essa regulação, levando o sujeito a buscar satisfação em experiências que ultrapassam os limites do que é socialmente aceitável ou seguro. Esse gozo pode se manifestar em comportamentos compulsivos, autolesivos ou em delírios de grandeza, onde o sujeito se percebe como onipotente.
Resumo das Características Principais de sintomas Psicóticos
As psicoses se manifestam por meio de sintomas graves que envolvem uma perda significativa de contato com a realidade consensual. Entre as características principais das psicoses estão:
– Perda de Contato com a Realidade: Incapacidade de distinguir entre o que é real e o que é produto da mente, levando a delírios e alucinações.
– Delírios: Crenças falsas e irracionais que são mantidas com convicção, mesmo diante de evidências contrárias.
– Alucinações: Percepções sensoriais falsas, como ouvir vozes ou ver coisas que não estão presentes.
– Desorganização do Pensamento: Pensamento fragmentado ou incoerente, que se reflete na fala desorganizada e na dificuldade de seguir um raciocínio lógico.
Tipos de Psicose
As psicoses podem ser classificadas em diferentes tipos, dependendo dos sintomas predominantes e da organização psíquica subjacente:
– Esquizofrenia: Caracterizada por delírios, alucinações, fala desorganizada e comportamento desorganizado ou catatônico. A esquizofrenia é uma das formas mais graves de psicose e pode levar à deterioração funcional significativa.
– Psicose Maníaco-Depressiva (Transtorno Bipolar): Marcada por episódios de mania e depressão, onde o indivíduo alterna entre estados de euforia extrema e desespero profundo.
– Paranoia: Caracterizada por delírios de perseguição ou grandiosidade, onde o indivíduo acredita ser alvo de conspirações ou ter habilidades especiais.
Perspectiva Freudiana e Lacaniana
Freud abordou a psicose em diversos textos, como em “O Homem dos Lobos” (1918) e “O Caso Schreber” (1911), onde analisa a paranoia de Daniel Paul Schreber. Para Freud, a psicose se origina de um retorno maciço do recalcado que não pode ser contido, resultando na substituição da realidade externa por uma realidade psíquica própria.
4. Diferenças Entre Neurose e Psicose
Nível de Contato com a Realidade
Uma das diferenças mais marcantes entre neurose e psicose reside no nível de contato com a realidade. Na neurose, o indivíduo, apesar de seu sofrimento e conflitos internos, mantém uma percepção relativamente intacta da realidade externa. Ele é capaz de reconhecer seus sintomas como irracionais ou excessivos, mesmo que não consiga controlá-los completamente.
Na psicose, por outro lado, há uma perda significativa de contato com a realidade. O sujeito psicótico pode acreditar em suas alucinações ou delírios com convicção, sem questionar sua veracidade. Essa ruptura com a realidade faz com que o indivíduo viva em um mundo próprio, onde suas experiências psíquicas se tornam mais “reais” do que o mundo externo.
Mecanismos de Defesa
Os mecanismos de defesa são outra área de diferença crucial. Na neurose, o ego utiliza uma variedade de mecanismos de defesa para gerir a ansiedade e manter o conflito inconsciente. Esses mecanismos incluem repressão, projeção, racionalização, dentre outros, e, embora possam distorcer a realidade, não a substituem completamente.
Na psicose, os mecanismos de defesa são mais radicais e menos eficazes em manter o conflito sob controle. O mecanismo de defesa primário na psicose, segundo Freud, é a cisão do ego, onde o ego tenta lidar com a realidade intolerável criando uma nova realidade psíquica. Lacan acrescenta que na psicose ocorre a foraclusão, onde o significante fundamental é completamente excluído da ordem simbólica, resultando em uma organização psíquica diferente.
Tratamento Psicanalítico
O tratamento psicanalítico de neuroses e psicoses requer abordagens distintas. Na neurose, o trabalho do analista foca em ajudar o paciente a trazer à consciência os conflitos reprimidos, permitindo que ele os trabalhe e resolva de maneira saudável. A transferência é uma ferramenta crucial nesse processo, pois permite ao paciente reviver os conflitos infantis na relação com o analista.
Na psicose, o tratamento é mais complexo, devido à fragilidade do ego e à dificuldade em estabelecer uma transferência típica. Lacan sugere que o analista deve trabalhar com o psicótico de maneira a respeitar sua estrutura e, em vez de tentar “curá-lo” no sentido tradicional, ajudar o paciente a construir uma nova forma de significação que possa estabilizar sua psique.
5. Intervenção Terapêutica
A intervenção terapêutica em casos de neurose envolve ajudar o paciente a tomar consciência de seus conflitos inconscientes e trabalhar através deles de maneira a aliviar os sintomas e melhorar sua capacidade de lidar com a realidade. Técnicas como a interpretação dos sonhos, a livre associação e o manejo da transferência são frequentemente utilizadas.
No tratamento das psicoses, a intervenção precisa ser adaptada à fragilidade do ego psicótico. Em muitos casos, é necessário um suporte terapêutico que vá além da psicanálise tradicional, incluindo a possibilidade de medicação e intervenções multidisciplinares. No entanto, a psicanálise pode oferecer ao paciente psicótico um espaço para elaborar suas experiências e encontrar uma forma de simbolizar seu sofrimento, mesmo que de maneira diferente do processo terapêutico usado em pacientes neuróticos.
Obras de Freud e Seminários de Lacan relacionados ao tema “Neurose e Psicose:
Escritos de Freud:
1. Freud, S. (1894) – As Neuropsicoses de Defesa (Die Abwehr-Neuropsychosen).
– Onde Freud introduz a ideia de neurose como resultado de um conflito psíquico.
2. Freud, S. (1896) – A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses (Zur Ätiologie der Neurosen).
– Discussão sobre as bases hereditárias das neuroses.
3. Freud, S. (1899) – Rascunho G (Entwurf einer Psychologie).
– Freud esboça suas primeiras ideias sobre a distinção entre neurose e psicose.
4. Freud, S. (1900) – A Interpretação dos Sonhos (Die Traumdeutung).
– Inclui discussões sobre os mecanismos de defesa que são centrais na neurose.
5. Freud, S. (1911) – Notas Psicanalíticas sobre um Relato Autobiográfico de um Caso de Paranoia (Psychoanalytische Bemerkungen über einen autobiographisch beschriebenen Fall von Paranoia).
– Um dos primeiros textos onde Freud trabalha especificamente com a psicose.
6. Freud, S. (1915) – Pulsões e seus Destinos (Triebe und Triebschicksale).
– Discussão das pulsões e sua relação com a formação de sintomas neuróticos e psicóticos.
7. Freud, S. (1917) – Luto e Melancolia (Trauer und Melancholie).
– Comparação entre luto (uma reação normal) e melancolia (associada à neurose e à psicose).
8. Freud, S. (1924) – A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose (Der Realitätsverlust bei Neurose und Psychose).
– Exploração das diferenças fundamentais entre neurose e psicose.
9. Freud, S. (1924) – O Príncipe Feliz (Der Glückliche Prinz).
– Discussão mais literária e reflexiva sobre as experiências internas e o sofrimento psíquico.
10. Freud, S. (1925) – Uma Neurose Demoníaca do Século XVII (Eine Teufelsneurose im siebzehnten Jahrhundert).
– Exemplo de como a neurose pode se manifestar culturalmente.
11. Freud, S. (1938) – *Moisés e o Monoteísmo (Der Mann Moses und die monotheistische Religion).
– Considerações finais sobre as consequências culturais e psíquicas da neurose e da psicose.
Seminários de Lacan:
1. Lacan, J. (1955-1956) – O Seminário, Livro 3: As Psicoses.
– Exploração profunda das psicoses, com referência aos trabalhos de Freud.
2. Lacan, J. (1959-1960) – O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise.
– Discussão sobre o desejo e a relação da ética com a neurose.
3. Lacan, J. (1964-1965) – O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise.
– Enfatiza a distinção entre neurose e psicose, e os conceitos fundamentais de Freud.
4. Lacan, J. (1972-1973) – O Seminário, Livro 20: Mais, Ainda (Encore).
– Discussão sobre o gozo, que é central para entender as dinâmicas neuróticas.
5. Lacan, J. (1975-1976) – O Seminário, Livro 23: O Sinthoma.
– Foca na psicose e no conceito de sinthoma como forma de estabilização do sujeito psicótico.
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