1. Introdução
O sintoma ocupa uma posição central na psicanálise, sendo tanto uma manifestação de sofrimento quanto um enigma que revela aspectos ocultos do psiquismo. Desde Freud, o sintoma tem sido considerado uma janela para o inconsciente, permitindo ao analista acessar os desejos reprimidos que moldam o comportamento e a subjetividade do indivíduo. Para Lacan, o sintoma é mais do que um produto da repressão: é uma estrutura significante que revela a interseção entre o desejo, a linguagem e o Outro. Essa abordagem multifacetada faz do sintoma um objeto de estudo indispensável para compreender a dinâmica psíquica.
Entender o sintoma como uma formação do inconsciente é fundamental para abordar tanto suas implicações teóricas quanto clínicas. Enquanto Freud estabeleceu os alicerces dessa compreensão ao relacionar o sintoma com o retorno do recalcado, Lacan reformulou essa perspectiva ao situar o sintoma na lógica do significante. Este artigo busca explorar como essas duas abordagens, complementares e distintas, contribuem para a teoria e prática psicanalíticas, fornecendo uma visão abrangente sobre o papel do sintoma na subjetividade humana.
2. O Sintoma na Teoria de Freud
O Conceito de Sintoma em Freud
Para Freud, o sintoma é uma solução de compromisso entre o desejo inconsciente e as forças repressoras do psiquismo, como o superego e as exigências da realidade. Essa solução, no entanto, é marcada pela ambivalência: o sintoma oferece uma satisfação parcial ao desejo reprimido, mas ao custo de causar sofrimento ao sujeito. Essa duplicidade do sintoma é essencial para compreender seu funcionamento, pois ele não apenas expressa o desejo recalcado, mas também o distorce para escapar da censura consciente. Essa concepção inicial de Freud foi refinada ao longo de sua obra, sendo central para o desenvolvimento da psicanálise como prática clínica.
Além de ser um retorno do recalcado, o sintoma é também uma formação simbólica que envolve uma articulação entre imagens, significados e emoções. Por exemplo, no caso Dora (Fragmento de uma Análise de Histeria), Freud identifica os sintomas histéricos como expressões de conflitos edípicos e desejos reprimidos. Esses sintomas, como a perda da voz ou desmaios, possuem um significado simbólico que remete à dinâmica inconsciente da paciente. Freud revela, assim, que o sintoma não é um simples defeito funcional, mas um discurso do inconsciente, carregado de sentido.
O Papel do Inconsciente
O inconsciente, em Freud, opera como um sistema dinâmico, onde os desejos recalcados permanecem ativos, buscando maneiras de se manifestar. O sintoma é uma dessas formas, funcionando como um “compromisso psíquico” entre a pulsão reprimida e as barreiras impostas pelo ego e pelo superego. Essa concepção subverte a noção de que o sujeito é inteiramente consciente e racional, mostrando que somos frequentemente governados por forças que desconhecemos.
Além disso, Freud demonstrou que o sintoma é estruturado pela lógica do inconsciente, que segue os princípios de condensação e deslocamento. Essas operações simbólicas, descritas em A Interpretação dos Sonhos, revelam que o sintoma, assim como o sonho, possui uma linguagem própria. Essa linguagem, por sua vez, pode ser decifrada pelo analista, desvelando os desejos reprimidos que organizam o sofrimento do sujeito. Esse trabalho de decifração é central para o método psicanalítico e fundamenta a prática clínica desenvolvida por Freud.
3. Lacan e o Sintoma
A Releitura de Freud por Lacan
Jacques Lacan, ao reler Freud através do estruturalismo e da linguística, deu ao sintoma uma nova dimensão, situando-o como uma formação estruturada pelo simbólico. Para Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem, o que implica que o sintoma não é apenas uma expressão deformada do desejo, mas também uma mensagem cifrada que pode ser lida e interpretada. Essa perspectiva desloca a ênfase da psicanálise freudiana no conteúdo reprimido para a forma como esse conteúdo é articulado no discurso do sujeito. O sintoma, nesse sentido, não é apenas um retorno do recalcado, mas um significante que carrega uma verdade singular.
Lacan também introduziu o conceito de metáfora no entendimento do sintoma. Em sua perspectiva, o sintoma funciona como uma metáfora que substitui e representa algo que não pode ser dito diretamente. Essa substituição é o que dá ao sintoma seu caráter enigmático, mas também sua legibilidade. A releitura lacaniana amplia o alcance da psicanálise ao incorporar elementos da linguística e da teoria dos significantes, permitindo uma abordagem mais sofisticada dos fenômenos clínicos.
Diferenças e Convergências com Freud
Embora Lacan partilhe a ideia freudiana de que o sintoma é uma formação do inconsciente, ele diverge ao enfatizar o papel estruturante do simbólico. Enquanto Freud via o sintoma como um retorno do recalcado, Lacan o entende como uma expressão do “não dito” no campo da linguagem. Essa diferença não elimina as convergências entre os dois pensadores, mas as contextualiza em diferentes quadros teóricos. Para Lacan, o sintoma é um ponto de interseção entre o simbólico, o imaginário e o real, o que lhe confere uma complexidade que vai além do modelo freudiano.
O conceito de “sinthome”, introduzido por Lacan em seu Seminário 23, representa uma evolução desse pensamento. O sinthome não é apenas um sintoma a ser decifrado, mas uma estrutura que sustenta a subjetividade do sujeito, funcionando como uma solução singular para os impasses do desejo. Essa noção amplia a compreensão do sintoma, destacando sua função na economia psíquica e na relação do sujeito com o Outro, diferentemente da abordagem freudiana, que visava a dissolução do sintoma por meio da interpretação.
4. A Dimensão Subjetiva do Sintoma
O Sintoma como Resposta Singular
O sintoma não é apenas uma manifestação universal de processos inconscientes, mas uma resposta singular que cada sujeito formula diante de seus conflitos e traumas. Essa singularidade torna o sintoma um elemento central na constituição da subjetividade, funcionando como um marcador de identidade psíquica. Freud já apontava para essa dimensão subjetiva ao observar como os sintomas de seus pacientes variavam de acordo com suas histórias pessoais, desejos e defesas específicas.
Lacan, por sua vez, reforça essa singularidade ao afirmar que o sintoma é uma criação do sujeito no campo do Outro. Ele é, ao mesmo tempo, uma mensagem para si e para os outros, uma tentativa de dar sentido a algo que é estruturalmente sem sentido. Essa abordagem desloca a psicanálise de uma compreensão normativa do sintoma para uma visão que valoriza sua função criativa na economia psíquica do sujeito.
A Função do Sintoma na Economia Psíquica
O sintoma desempenha um papel fundamental na economia psíquica, funcionando como um “suporte” que sustenta o equilíbrio subjetivo. Ele surge como uma tentativa de lidar com o excesso pulsional e com a tensão entre desejo e lei, oferecendo uma solução, ainda que parcial, para os impasses da subjetividade. Esse aspecto funcional do sintoma foi reconhecido tanto por Freud quanto por Lacan, embora suas interpretações divergissem quanto às implicações clínicas.
Para Lacan, o sintoma pode ser um modo de existência, uma forma de o sujeito organizar sua relação com o desejo e com o Outro. Em alguns casos, o sintoma não deve ser eliminado, mas ressignificado, permitindo ao sujeito uma nova forma de lidar com seus impasses. Essa perspectiva clínica ressalta a importância de compreender o sintoma não apenas como algo a ser dissolvido, mas como um elemento estruturante da experiência subjetiva.
5. Sintoma e Clínica Psicanalítica
Orientações Clínicas de Freud e Lacan
Freud desenvolveu a técnica da associação livre como um meio de acessar o inconsciente por meio do discurso do analisando. O analista, nesse modelo, atua como um facilitador, ajudando o sujeito a desvelar os significados ocultos de seus sintomas. Essa abordagem enfatiza a importância da escuta analítica e da interpretação como ferramentas para transformar o sintoma em um saber sobre o inconsciente, permitindo ao sujeito uma maior compreensão de si.
Lacan, embora partilhe da ênfase na escuta analítica, introduz uma abordagem mais centrada na singularidade do sintoma. Para ele, o trabalho clínico deve focar não apenas na interpretação, mas na criação de um espaço onde o sujeito possa construir um novo laço com seu sintoma. A clínica do sinthome, proposta por Lacan, busca não eliminar o sintoma, mas integrá-lo de forma a possibilitar uma reconfiguração da subjetividade.
Exemplos e Práticas no Setting Analítico
Na prática clínica, o sintoma é tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada da análise. Por exemplo, um paciente que relata dificuldades em relacionamentos pode descobrir, por meio da análise, que essas dificuldades estão associadas a um conflito inconsciente entre desejo e culpa. Esse trabalho de decifração não apenas desvela os significados ocultos do sintoma, mas permite ao sujeito resignificar suas experiências e reorganizar sua relação com o desejo.
No setting analítico, é essencial que o analista mantenha uma postura ética, evitando impor interpretações prontas e criando condições para que o sujeito encontre seu próprio saber sobre o sintoma. A transferência é um elemento crucial nesse processo, pois possibilita que o sujeito projete no analista suas fantasias e desejos, permitindo a elaboração desses conteúdos de maneira simbólica.
6. Considerações Finais
O sintoma, como formação do inconsciente, é um dos conceitos mais ricos e complexos da psicanálise. Desde Freud, que o concebeu como um retorno do recalcado, até Lacan, que o situou no campo do simbólico, o sintoma continua a ser um objeto central de reflexão teórica e prática clínica. Sua compreensão exige uma abordagem que leve em conta tanto sua dimensão subjetiva quanto suas implicações estruturais.
Ao revisitar as contribuições de Freud e Lacan, somos chamados a aprofundar nosso entendimento sobre o inconsciente e a renovar nossa prática clínica. O estudo do sintoma não é apenas uma ferramenta teórica, mas uma prática que ilumina os caminhos da subjetividade, oferecendo novas possibilidades de existência e transformação para o sujeito.
Seminários de Jacques Lacan que abordam o tema do sintoma:
Seminário 3 – As Psicoses (1955-1956):
– Aborda o inconsciente como estruturado pela linguagem e introduz elementos que serão fundamentais para a concepção do sintoma como uma formação significante.
Seminário 5 – As Formações do Inconsciente (1957-1958):
– Explora as formações do inconsciente, incluindo o sintoma, como estruturadas por metáforas e metonímias.
Seminário 6 – O Desejo e sua Interpretação (1958-1959):
– Discute como o sintoma pode ser interpretado em relação ao desejo inconsciente.
Seminário 10 – A Angústia (1962-1963):
– Embora foque na angústia, apresenta relações entre o sintoma, o desejo e os objetos a.
Seminário 11 – Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964):
– Introduz conceitos como repetição e pulsão, que são essenciais para entender o sintoma como formação do inconsciente.
Seminário 17 – O Avesso da Psicanálise (1969-1970):
– Relaciona o sintoma com os discursos e com as dinâmicas do poder simbólico.
Seminário 20 – Mais, Ainda (1972-1973):
– Explora a relação do sintoma com o gozo e com as estruturas de linguagem.
Seminário 22 – R.S.I. (1974-1975):
– Introduz a relação entre Real, Simbólico e Imaginário, explicitando como o sintoma funciona como uma amarração entre esses registros.
Seminário 23 – O Sinthome (1975-1976):
– Desenvolve o conceito de sinthome como uma formação singular que sustenta a subjetividade, usando James Joyce como exemplo.
Seminário 24 – L’Insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre (1976-1977):
– Retoma o conceito de sinthome e aprofunda a ideia de sua função estruturante para o sujeito.
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